quinta-feira, julho 21, 2005

O MEDO NA VIDA E NA OBRA DE HITCHCOCK




Um homem e a sua obra… É necessária alguma sorte para que um ser humano encontre a sua vocação natural e a aplicação perfeita dos seus atributos. Imaginemos que Einstein tivesse sido forçosamente sapateiro ou agricultor durante a sua vida inteira. E que Pasteur ou Madame Curie nunca tivessem estudado; que Monet nunca tivesse pegado num pincel; que Camões não tivesse descoberto a sua paixão pela poesia… Já imaginaram o desperdício de talento?
Hitchcock começou a trabalhar na indústria cinematográfica, ainda muito jovem. No início da década de 20, já ele concebia o aspecto gráfico de intertítulos para filmes mudos. Em 1939, antes de deixar a sua Inglaterra natal em direcção a Hollywood, era um realizador reputado e com um estilo de trabalho muito próprio.
Parece óbvio que Hitchcock encontrou o seu caminho certo. Mas não seria o Medo, o veículo identificador da sua vocação e da sua obra? O medo do fracasso perseguiu-o desde a realização do seu primeiro filme. Esse mesmo medo que ele gostava de retratar sob tantas matizes e formas. O medo da Polícia, da Solidão e do Castigo… Recriava-os ele bem porque os sentia na pele.

É certo que por detrás do mito de Alfred Hitchcock, se escondem muitas histórias fantasiadas e ideias feitas. No entanto, um relato da sua infância é famoso e muito característico. Parece que o pequeno Alfred Joseph, então com cerca de 5 anos, foi dado como culpado de uma maldade qualquer, uma malandrice própria de quem é criança e não mede os seus actos. O pai dele tê-lo-á mandado falar com o chefe da Polícia local com quem terá combinado que, para castigo, ele fosse mantido preso dentro de uma cela durante alguns minutos.
A cela era escura e claustrofóbica e aqueles minutos terão sido profundamente traumatizantes. Alfred Joseph cresceria com tanto medo das autoridades e da Polícia como dos próprios criminosos.
Hitchcock referia-se com regularidade à rígida disciplina no seu colégio; à forma como ele e os seus colegas eram severamente punidos por consequência de uma má nota ou de um comportamento minimamente insubordinado; e ao modo como o castigo era aplicado estrategicamente após um dia de angustiante espera.
O Medo surge então como um dos elementos formadores da personalidade de Hitchcock. Moldou a sua educação. E condicionou decisivamente toda a sua obra.

Através de determinados filmes, Hitchcock enfatizou a fragilidade humana e a insegurança emocional. A sua obra centra-se afinal na ideia do Medo e nas suas consequências. E o suspense traduz-se em níveis de ansiedade. Por isso, imensos personagens que povoam a sua filmografia são vítimas evidentes do Medo. Entre elas: Joan Fontaine em “Rebecca” (1940) e “Suspeita” (1941); Gregory Peck em “Casa Encantada” (1945); Ingrid Bergman em “Sob o Signo do Capricórnio” (1949); James Stewart em “Vertigo” (1958); ou Tippi Hedren em “Marnie” (1964).

O Medo é (e Hitchcock bem o sentia) uma expressão da condição humana. Ele foi um dos primeiros grandes realizadores da História do Cinema a saber recriá-lo com maestria e requinte. E bem se divertia a provocar emoções nos seus espectadores. Então pergunto-me:
O Medo presente na personalidade de Hitchcock não o terá levado a descobrir o seu estilo cinematográfico próprio?

Por meio de Hitchcock, o entretenimento cinematográfico tomou novos contornos. Hitchcock aprendeu a subverter o estado natural das coisas. A transformar a ansiedade em diversão. Ele pode ter sofrido influências de escritores como Edgar Allan Poe e de cineastas como D. W. Griffith. Mas construiu o seu próprio estilo e, no seu domínio, foi mais além do que estes.
Hitch confessou algures que talvez se tenha começado a interessar por suspense depois de ler Poe. Um pormenor o fascinava naquele escritor: as suas histórias tão inverosímeis e improváveis pareciam credíveis quando o leitor embarcava nas narrativas. Como se o mais incrível fosse susceptível de nos acontecer no próximo minuto.

Com Griffith, Hitchcock ter-se-á apercebido do valor da adesão emocional do espectador ao espectáculo fílmico. Em “Intolerância” (1916), há uma perseguição tremendamente emocionante. Está nela uma vida humana em jogo. Recordo-me de ter reparado naquela sequência quando tive oportunidade de ver o filme na televisão, há cerca de quinze anos.
Hitchcock terá também confessado que certos escritores o influenciaram marcadamente. Entre eles: J. B. Priestley, John Buchan (autor de “The 39 steps”), John Galsworthy e Mrs. Belloc Lowndes. De todos eles, Hitchcock terá herdado o gosto pela acção emocionante e pela intriga de contornos misteriosos.

O Medo é central na filmografia do aclamado Mestre do Suspense. Na realidade, a sensação de Medo que as audiências vivem ante um filme de suspense ou de terror é muito peculiar. É um medo intenso e pode ser perturbador mas evidencia algum conforto. Porque, como dizia Hitchcock, o público bem sabe que está seguro, confortavelmente sentado numa poltrona, a ver um filme. Nada mais. Os filmes podem garantir ao espectador uma sensação inconsciente de segurança e ainda assim, assustá-lo, surpreendê-lo e provocar-lhe sustos.
Citando Hitchcock: “Cenas (…) que fazem o sangue correr pelas veias são altamente benéficas para a indigestão, gota, reumatismo, dor ciática e menopausa precoce. O público tem as suas emoções, o cinema tem o seu público, o realizador tem o seu cinema e todos ficam felizes.” (in revista “Picturegoer” de Janeiro de 1936)
Quem sou eu, um mero hitchcockiano, para duvidar da validade destas teorias?