quarta-feira, novembro 29, 2006

SOBRE A IMORTALIDADE



Um cinéfilo a debater a questão da Imortalidade poderá adiantar de imediato que nenhum filme existe sem uma conclusão. Sem um fim, sem as palavras THE END ou as letras do genérico final. Mas também poderá declamar emotivamente que depois das palavras THE END, se pode sempre rebobinar a fita e começar a passá-la de novo. Por isso, o cinéfilo acredita que há filmes imortais ou eternos.

Porque escrevo eu sobre a Imortalidade? Não é que a questão da Imortalidade me preocupe muito. Ainda assim, nos últimos anos, tem-me vindo a inquietar esporadicamente a inevitabilidade da Morte. A ideia de que morrerei e a antevisão de que daqui a 100 anos ninguém vai saber da minha existência.

Por acaso, até acredito na Vida para além da Morte. Mas não estou completamente seguro dela. Se a nossa existência acabar no dia em que morrermos, não deve haver grande problema. Estaremos mortos. Não tomaremos consciência. Não teremos alegrias. Mas também não estaremos muito amargurados… A menos que o Inferno exista e o calor das chamas seja exagerado.

Dou comigo a pensar que a Vida neste nosso planetazinho azul é muito particular. Parece-me que quando morrer, irei gostar que se lembrem que vivi aqui. Para conseguir isso, era conveniente fazer algo de relevante. De preferência uma acção construtiva e positiva para a Humanidade. Porque Hitler e Estaline ainda estão bem vivos na memória das pessoas mas pelas piores razões que se podem imaginar.

Em conversa com uma boa amiga minha que é solidamente ateia, acabei por descobrir que as nossas conquistas também contribuem para a nossa imortalidade. Falei-lhe que havia acabado de escrever um romance. E acabei dando conta de que aquele livro, por muito mau que fosse, podia testemunhar que existi. Se perpetuaria uma boa memória de mim, isso já não poderia garantir.

Talvez tenha sido por isso que não muitas semanas depois, enclausurei o livro dentro de um armário e até hoje não lhe dei a ver a luz do dia.

É agradável ser lembrado. Constatar que não se esquecem de nós. Mas há pessoas de grande valor humano que nunca se salientam. Isso fará delas pessoas menos relevantes? Acredito plenamente que não.

Na verdade, com o progresso tecnológico é mais fácil perpetuar a nossa imagem. Em registos escritos e falados, gravações de som e de imagem. Vídeos, DVDs, MP3, fotografias digitais de enorme qualidade…

Repare-se na evolução técnica do século da Severa para o de Amália. E do século de Amália para o de Mariza. Os retratos dos meus avós na década de 30 permitem-me visitar um passado distante. De igual modo, as películas com exposição de imagens em movimento. Mas hoje as máquinas de filmar já não estão só nas mãos dos realizadores e dos jornalistas. Estão nas mãos de qualquer pessoa. Nas mãos do indivíduo comum. Amanhã sabe Deus o que teremos para registar a memória de um momento ou para arquivar uma expressão artística.

Numa manhã invernosa (de Outono!) escrevo e pergunto a mim mesmo: é tão difícil fazer com que sejamos lembrados? Pelas nossas obras, pelo nosso valor? É difícil.

Se quisermos ser recordados pelo nosso talento, não será fácil nem comum conseguirmos que se lembrem de nós. Porque a genialidade é característica de poucas pessoas. E qualquer tipo de relevância tem um preço às vezes não muito baixo. Ser recordado hoje quem já viveu há muito tempo…

No entanto, temos a outra face da moeda: não valerá mais ser amado em vida do que recordado depois de morto? Então o nosso sentido de dignidade e o valor e a honestidade dos nossos sentimentos contarão mais para o campeonato.

Sobre a Imortalidade, sei que pode ser inconveniente mas tentadora. Sei que, de certo modo, estamos vivos se se lembrarem de nós. Sei que há vários conceitos de Imortalidade. Que cada pessoa constrói o seu ideal de Imortalidade. Por exemplo: Se eu morrer hoje e alguém ler estas linhas amanhã, não será que vivi para além da minha existência terrena?

Sobre a Sétima Arte: acho que um dos alicerces da sua magia é a capacidade de imortalizar figuras, cenas e imagens. Tornar eternamente belos e encantadores os mais belos fenómenos da cultura humana e da natureza terrena e extra-terrena. Um cenário, um acto de amor, uma música, uma sequência trabalhada de percepções visuais.

O Cinema cria mitos e figuras eternamente jovens que vivem para além da vida dos actores, cineastas e técnicos que os tornaram concretos. Este blog bem poderá ser uma célula viva dos homens e das mulheres que o inspiraram. Muito em particular, Alfred Hitchcock.
Poderá ser como que uma batida suave do velho coração do Mestre do Suspense. Aquele coração cansado do homem que trabalhou a ideia cinematográfica do Suspense. Até aos limites da sua criatividade.

Hitchcock vive. Nas células do meu cérebro e na de inúmeros autores que escrevem sobre ele. Vive na tinta que é gasta a debater a sua obra.

Quanto tempo viverá Hitchcock? Não há razão aparente para pensarmos que algum dos seus 53 filmes esteja em perigo de extinção. As cópias restauradas e o progresso tecnológico possibilitarão a esses filmes persistirem intactos durante centenas de anos.

Talvez daqui a 500 anos, os grandes cineastas do século XX possam ser tomados como uma referência cultural importante. Quem sabe como será a Vida então? Se hoje ouvimos a voz de Frank Sinatra e vemos Fred Astaire dançar, quem sabe o que poderemos fazer no futuro? Tudo é possível. E no contexto geral, até a Imortalidade é possível. Hoje e sempre…

segunda-feira, novembro 06, 2006

O SUSPENSE NA TELEVISÃO



No contexto de uma sociedade global como é a do mundo moderno do século XXI, até a Televisão se reinventa em torno de princípios tradicionais. O conceito de série televisiva de sucesso passa agora por novas variáveis. Já não estão só em causa os níveis de audiência durante as emissões nem as receitas financeiras decorrentes da publicidade estrategicamente implantada.

Hoje as séries de sucesso são integralmente vendidas em pacotes de DVDs. E, de alguma forma, podem passar sempre na televisão do espectador. Em qualquer dia e em qualquer hora. O primeiro passo neste sentido fôra dado nos anos 80 com a introdução do vídeo nos hábitos do consumidor médio. (Recordo que vivi com grande entusiasmo essa época em que o vídeo entrou oficialmente em minha casa e passei a poder ver e rever os meus programas predilectos.)

“24” e “Perdidos” são dois exemplos paradigmáticos de como se podem gerir habilidosamente histórias repletas de suspense. Histórias em que se joga preciosamente com o tempo. Neste domínio, “24” é o exemplo perfeito de como se pode explorar de forma muito intensa o patamar das emoções dos espectadores (ao ritmo marcado de cada minuto e de cada segundo).

Na globalidade, as histórias de espionagem e contra-terrorismo de “24” são pouco credíveis mas o que se procura é a criação de pontos de expectativa e não a plausibilidade das situações. Os produtores e argumentistas planeiam e discutem a orientação das histórias com maestria e competência. E todas as semanas, em cada episódio, são criados novos picos de suspense e novas peripécias que desencadeiam o aparecimento de enigmas e o desvendar de surpresas.

Hitchcock gostaria de “24”? Ele que acabou reconhecendo o papel particular da Televisão como veículo de difusão de histórias e de imagens, estou convencido de que não ficaria indiferente ao profissionalismo de um projecto tão bem concebido e orientado.

Hitchcock reconheceu na Televisão um meio de comunicação muitíssimo poderoso. E embora os grandes cineastas da sua geração defendessem o Cinema ante a concorrência dos pequeninos écrans familiares, ele aceitou a proposta arrojada de trabalhar num projecto para o universo televisivo. Todo o dinheiro que Hitchcock investiu aqui foi muitíssimo bem aplicado porque lhe rendeu imensos lucros. E o aproximou ainda mais frontalmente do público.

As suas séries “Alfred Hitchcock Apresenta” e “Alfred Hitchcock Hour” (esta última em exibição no canal SIC Mulher nos últimos meses) narram histórias de crime mais ou menos sórdidas mas frequentemente cinzeladas por um tom irónico e humorístico. Foram emitidas em regime regular entre 1955 e 1962 e ajudaram Hitchcock a difundir a sua imagem pessoal na medida em que ele mesmo procedia à apresentação de cada episódio. Num tom brincalhão e jocoso mas também circunspecto e formal. O tom característico com que ainda hoje é identificado. E que usou nos trailers promocionais de “Psico” (1960), “Os Pássaros” (1963), “Marnie” (1964) ou “Frenzy – Perigo na Noite” (1972).

Cada episódio apresenta uma história completamente autónoma das restantes. Com um desenrolar mais risonho ou mais sombrio. Com personagens diferentes. O desfecho de cada história é pouco previsível. E não há “happy-ends” instituídos. É a diferença entre os episódios de “Quinta Dimensão” e os de “Missão Impossível”. Nos primeiros, o nosso herói pode morrer ou terminar em maus lençóis. Nos segundos, sabemos que os nossos heróis vão sobreviver a tudo e mais alguma coisa porque constituem o elenco fixo da série.

Hoje os episódios de Hitchcock na Televisão podem parecer-nos datados e rústicos. É preciso não menosprezar um aspecto: a Televisão tem sempre progredido uns passos atrás do Cinema. A nível artístico e tecnológico. Mas tem adquirido vantagem porque os televisores são cada vez mais sofisticados e perfeitos. E porque hoje produções relevantes como “24”, “Perdidos”, “Sete Palmos de Terra” e “Os Sopranos” vêm provar que há criações de enorme qualidade (levadas a cabo por profissionais de primeiro nível) e que são concebidas directamente para o palco da Televisão.

O suspense na Televisão está patente nos telejornais e nas telenovelas. Para cativar audiências e criar expectativas, os jornalistas e apresentadores dos jornais de televisão aguçam o apetite do espectador oferecendo-lhe pistas inconclusivas sobre o que ainda pode ver.

E nas telenovelas é comum terminar cada episódio num ponto emocionante. Sempre assim foi com as novelas brasileiras desde “Gabriela”, com as novelas portuguesas desde “Vila Faia” e com as soap operas americanas como “Dallas”. Gerir o suspense no contexto televisivo implica inteligência e empenho. Mas afinal suspense, até no “Big Brother” o encontramos… E no “Um Contra Todos”ou no “Quem Quer Ser Milionário”. Porque o suspense é um ingrediente da Vida.

O que Hitchcock e outros brilhantes artesãos fizeram foi transformar a expectativa em puro divertimento. Torna-se óbvio que a qualidade artística de uma série com vinte episódios (15 horas) não pode frequentemente competir com o primor dedicado à produção de um filme com 120 minutos.

Hitchcock gostaria de séries como “Twin Peaks” sob a direcção de David Lynch ou “Taken” da responsabilidade de Steven Spielberg? Pelo contributo que trouxeram ao modo televisivo de trabalhar o suspense, acredito que sim.

Já agora: porque é que é tão difícil encontrar em Portugal DVDs de séries televisivas a preto e branco? Parte do património televisivo dos anos 50 e 60 tem imagem a preto e branco. Vamos ignorar que essa parte (às vezes muito interessante) existiu?