Nos passos finais do percurso que me levou a reflectir sobre o cinema de Hitchcock durante mais de 150 semanas, parece-me pertinente não deixar de nomear um número específico de pessoas. São as personalidades do universo de Alfred Hitchcock que faleceram entre Junho de 2005 e Agosto de 2008, o período em que este blog esteve activo.
Estão aqui 25 nomes mas outros, hitchcockianamente importantes, terão morrido enquanto este blog progredia no seu passo lento, aparentemente apático mas profundamente consciente.
Para todos eles, porque cada um ofereceu o seu contributo próprio aqui fica a minha homenagem.
BARBARA BEL GEDDES – Faleceu a 8 de Agosto de 2005 e fiz referência directa ao seu desaparecimento no comentário daquela semana. Representou um sensibilizante papel em «Vertigo» encarnando a mulher simples e pouco sensual, apaixonada pelo protagonista.
Era uma actriz sóbria e convincente. A sua presença, pelo que tem de transparente e verdadeiro, opõe-se à de Kim Novak com todo o seu misticismo e magnetismo desconcertante.
O papel de Midge era perfeito para ela. E ela nunca se importou em oferecer autenticidade ao seu papel mesmo que isso significasse ter uma presença mais discreta e muito menos «glamourosa».
Hitchcock sempre gostou de a ver trabalhar. Barbara Bel Geddes também brilhou na série «Alfred Hitchcock Apresenta», nomeadamente num episódio da 3ª temporada («Lamb To The Slaughter») em que mata o marido e oferece aos polícias, como jantar, a arma do crime: uma perna de carneiro.
HENRY BUMSTEAD faleceu a 24 de Maio de 2006. Era um veterano «production designer» (decorador) que trabalhou durante décadas em Hollywood, com grandes cineastas e em grandes filmes.
O papel de um «production designer» passa pelo estudo, decoração e tratamento dos espaços onde as filmagens decorrem. Na procura da autenticidade ou do espírito que se quer imprimir ao filme. É um trabalho de pesquisa, de adequação dos cenários e dos locais reais aos contextos de cada argumento.
Bumstead ganhou Óscares por «To Kill a Mockingbird» (1962) e por «A Golpada» (1973). A sua longa associação a Clint Eastwood levou-o a trabalhar repetidas vezes para ele, nomeadamente em «Imperdoável» (1992), «Mystic River» (2003), «Million Dollar Baby» (2004), «Flags of Our Fathers» (2006) e «Letters from Iwo Jima» (2006). Pelo seu brilhante trabalho em «Vertigo» (1958), também obteve uma nomeação para um Óscar. Trabalhou numa produção absolutamente miserável chamada «Psico III» (que como o nome indica é uma segunda sequela do filme de Hitch).
Bumstead contava como havia percorrido inúmeras ruas de S. Francisco em busca dos locais ideais para as cenas de «Vertigo». Hitchcock sempre gostou do seu arguto poder de observação.
Morreu com 91 anos. Participou em mais de cem filmes. Para Hitchcock também trabalhou em «O Homem Que Sabia Demais» (1956), «Topázio» (1969) e «Intriga em Família» (1976).
LARAINE DAY morreu a 10 de Novembro de 2007. Nunca foi uma estrela maior até porque, quando vinculada à MGM, era remetida para papéis desinteressantes. Alfred Hitchcock parece que gostou dela e pediu-a emprestada àquele estúdio para interpretar a protagonista de «Correspondente de Guerra» (1940) ao lado de Joel McCrea.
Laraine Day trabalhou com Cary Grant, Gary Cooper, John Wayne ou Spencer Tracy mas permaneceu muito ligada ao seu desempenho em sete filmes do personagem Dr. Kildare. (Os filmes protagonizados por Lew Ayres deram origem a uma famosa série dos anos 60 com Roger Moore). Laraine Day morreu com 87 anos.
HANSJÖRG FELMY faleceu a 24 de Agosto de 2007 (com 76 anos). Era um veterano actor alemão. Em «Cortina Rasgada» (1966), filme onde participam vários actores muito competentes em papéis secundários, fez o papel do sinistro Gerhard. É ele que acolhe Paul Newman e Julie Andrews em Berlim Leste; e é ele mesmo que os persegue na cena final, no espectáculo de Ópera. O elenco de «Cortina Rasgada» é um dos maiores trunfos do filme. Hansjörg Felmy é, a seu modo, quase tão temível e perturbante como Gromek – o homem morto de modo macabro a meio da narrativa.
PETER HANDFORD faleceu a 6 de Novembro de 2007. Era um veterano técnico de som. No seu extenso currículo, estão «África Minha» (1985), «Tom Jones» (1963), «Crime no Expresso do Oriente» (1974) e «Ligações Perigosas» (1988).
Para Hitchcock, trabalhou em «Sob o Signo do Capricórnio» (1949) e «Frenzy» (1972). Sempre se referia a Hitchcock como muito metódico, quase exageradamente escravo dos seus planeamentos.
TEDDY INFUHR teve um desempenho curto mas simbólico no cinema de Hitchcock. Era o miúdo acidentalmente morto pelo irmão em «Casa Encantada» (1945). Numa cena muito pequena mas determinante. No filme de Hitchcock, não chega a dizer uma palavra. Mas depois participou em muitos filmes, alguns deles de grande qualidade e fama. Como «Os Melhores Anos das Nossas Vidas» (1946), «O Rapaz do Cabelo Verde» (1948) e «Sementes de Violência» (1955).
Morreu a 12 de Maio de 2007, com 70 anos.
CLAUDE JADE era uma actriz que François Truffaut descreveu a Hitchcock como sendo de algum modo parecida com Grace Kelly. Em «Topázio», representou o papel da filha ansiosa de um agente secreto francês. Faleceu a 1 de Dezembro de 2006. Com 58 anos de idade. Nunca veio a ser uma loira glacial de Hitchcock – como Tippi Hedren ou Kim Novak – mas podia ter sido.
LLOYD LAMBLE morreu com 94 anos, a 10 de Abril deste ano. Era um grande actor secundário do cinema britânico. Na verdade, era australiano e diz-se que deixou o seu país depois de ter sido associado ao comunismo. Fez um pequeno papel em «O Homem Que Sabia Demais» (1956).
EVAN HUNTER foi o argumentista de «Os Pássaros». Era um célebre escritor de livros policiais que assinava também como o nome Ed McBain. Trabalhou muito no argumento de «Marnie» mas discordava de Hitchcock em relação à cena em que Sean Connery se deita abusivamente com Tippi Hedren. Hunter considerava a cena indecorosa e antipática. E no seu entender, o público não gostaria dela. Acabou abandonando o projecto.
PHILIPPE NOIRET era um grande actor francês. Brilhou em «Cinema Paraíso» (1988) e em «O Carteiro de Pablo Neruda» (1994). Era versátil e participou em imensos filmes. Integrou o elenco de «Topázio», ao lado de outro actor francês, Michel Piccoli.
JOSEPH PEVNEY dirigiu 5 episódios da série «The Alfred Hitchcock Hour». Era um realizador veterano na área da Televisão. Trabalhou em «Casei com uma Feiticeira» e foi um emblemático director de episódios do «Caminho das Estrelas». Faleceu no passado dia 18 de Maio, com 97 anos.
SUZANNE PLESHETTE foi a professora de «Os Pássaros». Era uma actriz morena e atraente. A sua participação num episódio de «Alfred Hitchcock Apresenta» atraiu a atenção do público e de pessoas influentes. Nunca foi uma estrela maior de Hollywood mas a sua presença nos filmes era convincente e sincera. Morreu no passado dia 19 de Janeiro. Com 70 anos – vítima de um cancro num pulmão. Curiosamente, em «Os Pássaros», vemo-la fumar compulsivamente.
LEONARD ROSENMAN compôs música para «The Alfred Hitchcock Hour» nos anos 1964/65. E também para a clássica série «The Twilight Zone». Também compôs para Cinema. Morreu no passado dia 4 de Março, com 83 anos.
PETER GRAHAM SCOTT foi um notável produtor, realizador, editor de imagem e argumentista. Dizem que foi responsável por levar Diana Rigg ao papel da sedutora Sra. Emma Peel em «Os Vingadores» – série clássica dos anos 60. A título de curiosidade, registe-se que Scott interpretou um pequeno papel em «Jovem e Inocente» (1937) de Hitchcock. Tinha então 13 anos. Morreu a 5 de Agosto de 2007, com 83 anos.
JOSEPH STEPHANO foi o argumentista de «Psico». O homem que adaptou o romance de Robert Bloch (inspirado num caso verídico) para o universo cinematográfico de Hitchcock. Morreu com 84 anos, a 25 de Agosto de 2006.
Prestou depoimentos extensos sobre o seu trabalho para Hitchcock e é pontualmente difícil discernir se certas particularidades da história de «Psico» foram criação sua ou resultado do génio imaginativo de Hitchcock. Certo é que foi responsável pela enorme dimensão humana dos personagens do filme.
GEORGE TABORI, dramaturgo e encenador, foi o argumentista de “Confesso” (1952). Morreu a 23 de Julho de 2007. Com 93 anos. A história de «I Confess» é muito interessante no contexto das temáticas hitchcockianas: conjuga suspense, crime, culpa e religião, quatro temáticas importantes na personalidade do Mestre. O resultado final é negro e pontualmente morno mas relevante.
JAY PRESSON ALLEN foi a argumentista de «Marnie». Substituiu Evan Hunter quando este abandonou a produção do filme. Era uma notável adaptadora de livros e de peças teatrais para Cinema. Concebeu o argumento cinematográfico de «Cabaret» (1972) com Liza Minelli e também o de «Princípe da Cidade» (1980) do realizador Sidney Lumet.
«Marnie» foi o seu primeiro argumento. A segunda metade do filme é, na minha opinião, decepcionante. Mas a culpa pelas falhas do filme não terá sido exclusivamente da argumentista. A história partia de um livro e Hitchcock parecia saber muito bem como a contar. Ainda que o suspense falhe rotundamente. E aquele conceito de Psicanálise soe a uma série de teorias simplistas e primárias. Felizmente, «Marnie» tem uma bela fotografia e uma grande banda sonora.
ERNEST LEHMAN foi o brilhante argumentista de «Intriga Internacional» (1959). Era um homem que sabia conjugar a emoção das histórias com a humanidade dos personagens. Era versátil e pegava em trabalhos completamente distintos; como «Música No Coração» (1965) e «Quem Tem Medo de Virginia Wolf» (1966).
Hitchcock gostava muito de Lehman. O sucesso de «Intriga Internacional» (com a sua teia trepidante de acontecimentos narrativos) levou o Mestre a convidá-lo depois a escrever o argumento do seu derradeiro filme, «Intriga em Família» (1976).
PATRICK ALLEN morreu com 79 anos, a 28 de Julho de 2006. Foi detective em «Chamada Para a Morte» (1954), ao lado de John Williams. Era particularmente conhecido pela sua voz, a voz que emprestou durante mais de trinta anos a trailers publicitários.
RAY EVANS partilhava os créditos de composição musical com Jay Livingston. Juntos escreveram mais de 400 canções, num longo espaço de 64 anos. O maior sucesso deles terá sido «Que Será Será» importalizado por Doris Day em «O Homem Que Sabia Demais» (1956). A canção tinha uma função estratégica no filme e converteu-se num sucesso mundial. Foi também galardoada com o Óscar.
«Monalisa» foi outro enorme êxito da dupla. Ouvimo-la em «Janela Indiscreta» embora não tenha sido composta para esse filme. Para «Cortina Rasgada», foi concebida uma canção de Evans e de Livingston. Tinha um carácter promocional. O tema está incluído no CD com a banda sonora de John Addison. (Mas curiosamente não é cantado por Julie Andrews, a estrela do filme, nem ninguém considerou essa hipótese.)
ALIDA VALLI foi a protagonista de «O Caso Paradine» (1947). Era muito bela e emprestou dignidade e mistério ao papel da jovem e distinta mulher acusada de um crime. Hitchcock não se entendeu muito bem com ela porque Valli lhe havia sido imposta pelos produtores. Ninguém gosta de imposições. Muito menos gostava Hitchcock.
Alida Valli trabalhou com Visconti, Antonioni, Pasolini e Bertolucci. Era uma estrela maior do cinema italiano. Morreu com 84 anos, a 22 de Abril de 2006.
ROSCOE LEE BROWNE era actor e compôs seis décadas de versatilidade interpretativa. Em «Topázio», era um espião que trabalhava publicamente como florista. Morreu a 11 de Abril de 2007. Com 81 anos.
WILLIAM TUTTLE era um perito em maquilhagem e caracterização. Foi chefe do departamento daquela área, na MGM, entre 1950 e 1969. Para Hitchcock, trabalhou em «Intriga Internacional». Participou em mais de 300 filmes, alguns deles clássicos imortais: «Gata em Telhado de Zinco Quente» (1958), «Show Boat» (1951) ou «Serenata à Chuva» (1952) entre muitos outros…
Morreu com 95 anos, a 27 de Julho de 2007.
PETER VIERTEL escreveu o argumento de um grande filme de espionagem e acção do Mestre Hitchcock: «Sabotagem» (1942). Aquele que termina com o vilão suspenso das alturas da Estátua da Liberdade. Escreveu também o argumento de «A Rainha Africana» (1951) de John Huston.
JANE WYMAN faleceu a 10 de Setembro de 2007, com cerca de 90 anos. A actriz foi protagonista de «Pavor nos Bastidores» (1950) mas acabou sendo encoberta pela presença de Marlene Dietrich. Um dos seus maiores desempenhos foi o de «Belinda – A Escrava do Silêncio». Nesse filme, vestia a pele de uma surda-muda incapaz de explicar que a sua gravidez era resultado de uma violação. O papel levou-a à conquista do Óscar em 1948.
«Pavor nos Bastidores» é um filme menor de Hitchcock e o papel de Jane Wyman tem pouco de atractivo a priori e a posteriori. O grande sucesso, encontrou-o ela em melodramas do cineasta Douglas Sirk.