quarta-feira, fevereiro 15, 2006

PODE PARAR O FILME AÍ NESSA CENA?


Concordo plenamente com aqueles que dizem que a vida é muito curta. Constato que têm razão. Os minutos seguem-se implacavelmente uns atrás dos outros, anoitece e nasce outro dia, nasce outro dia e anoitece…E o que é suposto fazer-se?

Meus amigos, precisamos saborear esta nossa vida, procurando nela forças que nos ofereçam alento… Pontos luminosos que brilhem na escuridão da noite… Nem todas as pessoas os conseguem encontrar. Quase sempre são as mais infelizes.

Não quero parecer paternalista ou adoptar uma falsa postura pedagógica. Bem sabem que encontro muita alegria no Cinema em geral. E em alguns filmes, muito em particular. Talvez a cinefilia seja um escape que me foi oferecido como fuga à tormenta das inquietações. Um escape saudável e revigorante. Vejo filmes, escrevo sobre eles e acabo sentindo-me mais distante das minhas mágoas.

Às vezes, parece-me querer ter vontade de parar o tempo para gozar mais prolongadamente um momento feliz. Mas o tempo não pára para eu viver mais demoradamente uma tarde específica ou uma hora de felicidade com alguém.
Não. Vamos crescendo, desejando ser adultos. A infância e a adolescência impõem-nos as primeiras batalhas da Vida. Os pontos, os exames, os trabalhos finais, os primeiros confrontos difíceis com outros seres humanos (colegas e professores nomeadamente).

Fui daqueles miúdos que quando começavam as férias, desejava ardentemente que elas nunca mais tivessem fim. Desculpem-me lá. Se calhar, pensam que sou um preguiçoso incorrigível. Mas não: não era o trabalho que eu temia mas a falta de paz que sentia junto de grande parte das pessoas.

Hoje vejo os filmes, procurando intensamente gozar cada minuto deles. Como se as palavras THE END não viessem nunca ou só estivessem para vir num futuro incerto e tardio. Talvez por isso, goste tanto de rever um filme que me agrade. É como se estivesse a permitir a mim mesmo uma segunda oportunidade de o viver. Ou uma terceira ou uma quarta… De viver, de novo, um par de horas felizes.

Devo repetir inconscientemente para mim mesmo que o fim do filme nunca acontece. Ou talvez queira acreditar que depois do fim dele, estão muitos reinícios em marcha.

É como se quisesse parar o tempo. Não o deixar avançar mais. Ficar indelevelmente agarrado a um momento.

Achar-me-ão uma pessoa triste. Mas estarão errados. Sou até intensamente feliz e entusiasta quanto aos momentos bons da Vida.

Quando era pequeno, uma ida ao Cinema era uma ocasião festiva. Era um ritual com cerimónias próprias. Comprava-se o bilhete antecipadamente. Reservava-se o lugar predilecto. Evitava-se a sessão de estreia do filme (que normalmente ocorria durante um serão) porque havia muita agitação nas bilheteiras. Compravam-se chocolates e rebuçados para adoçar a boca enquanto o filme passava.

A anteceder o filme, era apresentado um simpático documentário (frequentemente com locução em brasileiro). Depois, tal como hoje, eram exibidos trailers de filmes a estrear em dias próximos.

A tela branca estava habitualmente coberta por um cortinado luxuoso que se fazia correr cerimoniosamente após o toque de sinal do começo da sessão. Como numa peça de teatro ou como num concerto. Nada mais nem nada menos.

Frequentemente eram distribuídos programas de apresentação do filme. Eram panfletos simpáticos que se distribuíam quando as pessoas entravam na sala e eram conduzidas ao lugar.

Havia sempre um intervalo a meio do filme. Em muitas obras clássicas ainda é hoje fácil distinguir qual era o momento estrategicamente definido para esse intervalo. A cena final da primeira parte culminava com uma imagem impressiva e uns acordes musicais mais bombásticos.
O intervalo permitia um momento de pausa ou de confraternização com os amigos.

Hoje não há intervalos. E ir ao Cinema não traduz a prática de um cerimonial. As coisas terão mudado assim tanto ou foi o meu olhar de criança que se alterou?

Se bem que as condições tecnológicas facilitem exibições com uma incrível qualidade de imagem e de som, sinto que se vai ao cinema como se vai ao centro comercial escolher um disco ou um livro. Ou como se vai a uma casa de pizzas. O romantismo e o encanto das sessões cinematográficas perderam-se nos tempos…

Há cinemas onde se vive e se e se respira uma cinefilia agradável. Temos a nossa Cinemateca Portuguesa a deleitar os cinéfilos lisboetas. O Cinema Quarteto é uma referência do meu passado. O King também consegue proporcionar um ambiente conivente com a sensibilidade daqueles que admiram a arte cinematográfica. Mas também em quase todas essas salas se entra dentro de uma sessão como dentro de uma fábrica de salsichas. Escolhe-se a salsicha que se quer (o filme) com o tempero desejado (a hora da sessão); depois mastiga-se a salsicha com algum vigor e mecanicismo. E sai-se da sala de cinema antes que a sessão seguinte dê início.

Gostava muito de parar o tempo. Reviver a primeira vez que vi certos filmes. E fazê-lo com a majestade de outros tempos.

Como já devo ter vivido metade da minha vida, é plausível que olhe para o passado e tente planear melhor a segunda metade da minha existência terrena. Provavelmente estou velho. Não serei só um ser humano de “gostos clássicos” mas um velhote saudosista daqueles que dizem sistematicamente: “No meu tempo, é que a vida era boa!” Mas atenção: só tenho 36 anos.

Gostava de parar o tempo nos momentos precisos em que sou feliz. Como aqueles em que vejo os filmes do Hitchcock. Mas eles passam sempre sem parar. Depois do genérico, vem a intriga e o suspense e, mais tarde, as palavras THE END.

Não há maneira de parar o tempo. Se pára realmente, não damos por isso porque a nossa existência é pautada pela sucessão ininterrupta de momentos. Só somos quem somos porque o tempo passa e nos vai construindo minuto a minuto, segundo a segundo.

Muitas vezes, depois de uma tarde bem passada, acabo perdendo-me numa nostalgia irreprimível. Nem todos os filmes são bons. Mas se não existissem filmes maus, seríamos sensíveis à maestria das grandes obras cinematográficas? Os filmes maus devem servir para qualquer coisa, não?

Por mais que queiramos parar o filme da nossa vida numa cena específica, não o conseguimos alcançar. Fazemos parte de um universo que nos pode engolir com a mesma facilidade com que um elefante sorve uma formiga…

Se cada cena feliz da nossa vida não se pode repetir, será ajuizado procurar conquistar uma perspectiva optimista dos acontecimentos. Encarar cada nova cena com um espírito empreendedor e destemido.

A música que cantámos numa cena anterior, poderemos sempre voltar a trautear. E o cenário envolvente que visitámos precedentemente, podemos quase sempre revisitá-lo no futuro. Senão, pelo menos, através da nossa imaginação e memória. O Cinema é construído a partir de muita imaginação e memória. E o filme que é a nossa própria vida, também nós o podemos tornar mais feliz. Ou não?