domingo, setembro 24, 2006

A MÚSICA DO CINEMA DE HITCHCOCK FAZ-NOS COMPANHIA


É verdade. Quem passou por este blog nos últimos dias terá obviamente reparado que lhe foi adicionado um ingrediente importante. É a Música do Cinema de Hitchcock. Este é apenas um pequeno contributo suplementar que me empenhei em tornar concreto.

Temos escutado esta semana o tema do genérico de "Vertigo" (1958) composto por Bernard Herrmann e que na tela se faz acompanhar pelas imagens enigmáticas do grande designer Saul Bass (como a que vemos na fotografia).

Procurarei mudar o tema musical sempre que possível. Oxalá não considerem abusiva a ideia de colocar as notas de Herrmann directamente nos vossos ouvidos. Esta música é um dos hinos mais célebres da obra de Hitchcock. Quem a conhece compreende a dimensão do seu poder porque possivelmente já a ouviu no contexto do filme. Quem não a toma por familiar poderá mesmo assim sentir o tom enigmático deste trecho que abre um dos filmes maiores de todos os tempos.

Atenção: Esta é uma transcrição da banda sonora original. Poderão encontrar no mercado versões gravadas mediante condições tecnológicas mais modernas. Mas uma gravação com um som mais sonante e límpido poderá até não traduzir tão bem a criatividade artística de Herrmann. Criatividade que associa sublimemente componentes clássicos com moldes inovadores e um pouco experimentais; sonoridades peculiares e uma repetição estratégica de certos acordes.

Quem se cansar do tema musical que está em acção poderá sempre desligar o sistema de som do computador. Bernard Herrmann cria um ambiente propício às minhas introspecções hitchcockianas. Mas quem se entediar de Herrmann ou da repetição de um trecho poderá (e deverá) pedir-lhe que pouse a batuta com que dirige tão emotivamente a orquestra. Porque o silêncio às vezes opera mil vezes melhor que qualquer som. E só cada um de nós (que é director do filme da sua vida) é que sabe intuitivamente quando uma cena apela ou não à necessidade de uma banda sonora.

quarta-feira, setembro 20, 2006

NAS PASSADAS DE HITCHCOCK II - A Suspeição e o Crime






O patamar emocional dos personagens é sobejamente importante nas histórias de crime de Hitchcock. A tal ponto que aqui e ali Hitchcock gostava de invadir o território da Psicanálise (como acontece em “Casa Encantada” (1945) e em “Marnie” (1964)).

No domínio das emoções é essencial definir o pensamento dos heróis com os quais o público se identifica. Que suspeitas alimentam, que desconfianças, que atracções ou repulsas…

A suspeição e a desconfiança estão quase sempre presentes no cinema de Hitchcock. Ou estão alojadas nos personagens ou são semeadas no olhar e no pensamento do espectador.

O caso de “Suspeita” (1941) é o paradigma de uma história de mistério e crime sem crimes. Tudo naquele filme se passa ao nível da perspectiva da protagonista (Joan Fontaine). Se tememos por ela é porque ela receia e tem medo e não porque haja perigo… E se sofremos com ela é porque lemos o seu pensamento como se ela falasse directamente para nós.

A suspeição e a desconfiança criam uma incrível inquietação. Neste sentido, Hitchcock foi um dos percursores da construção de um cinema centrado no patamar de pensamentos ambíguos, de obsessões e de desconfianças.

Em “Suspeita” Hitchcock foi liminarmente obrigado pelos produtores a construir um happy-end. No caso da intriga do filme em particular, isto significava que Cary Grant não podia de modo nenhum desempenhar o papel de um assassino. As pessoas não esperavam isso de Cary Grant nem era credível pensar que a ideia ia resultar bem junto do público.

Hoje percebemos como o filme teria sido enriquecido se a proposta de Hitchcock tivesse sido aceite. O impacto emocional do filme seria mil vezes superior se Cary Grant fosse um terrível criminoso e se Joan Fontaine morresse nas suas mãos.

A desconfiança e o medo levam à construção de fantasmas. Mas às vezes esses fantasmas só existem no pensamento das pessoas. A ambiguidade decorrente da desconfiança tem sido explorada em muitos e variados filmes.

Numa linha hitchcockiana próxima de “Suspeita”, Glenn Close e Jeff Bridges protagonizaram “O Fio do Suspeito” (1985) de Richard Marquand. Aqui uma advogada defende cegamente um homem em tribunal e consegue que seja declarado inocente da morte da sua esposa. No final, aquele homem por quem se apaixonara tão perdidamente revela-se o temido assassino e ela terá de lutar pela sua vida.

Numa época em que já não se associavam tão ingenuamente os actores a um padrão definido de papéis, Jeff Bridges que parecia um herói (e nós víamo-lo com os olhos de Close) converte-se num golpe rápido do argumento em predador insensível.

“Presumível Inocente” (1990) de Alan J. Pakula funciona no mesmo patamar. Aqui Harrison Ford poderá (ou não) ser autor de um crime passional. Só nos últimos minutos do filme é desvendado o enigma de uma história que não sendo muito emocionante está bem filmada e alimenta quase até ao fim uma angustiante ambiguidade.


Em 1983, Robert Benton (cineasta mais brilhante na composição de melodramas como “Kramer contra Kramer” (1979) e “Um Lugar no Coração” (1984)) realizou “Na Calada da Noite” como um palco de acção hitchcockiana. Meryl Streep surge-nos como uma loira enigmática que tanto se poderá revelar perigosa como volátil ou frágil. Benton filma algumas sequências oníricas e privilegia o papel da Psicanálise na explicação de certos desejos inconscientes. Hitchcock estava morto em 1983 mas parece passear por ali…

Jonathan Demme filmou “O Último Abraço” (1979) com o fito de explorar a atenção e o interesse dos hitchcockianos. É um filme com uma mulher perigosa (para variar não é loira o que já revela alguma imaginação…) e uma intriga misteriosa repleta de pistas que não se sabe onde vão conduzir. Tem um final trepidante no alto das cataratas do Niagara. (A propósito, sempre me pareceu que Hitchcock poderia ter dirigido “Niagara” (1953) de Henry Hattaway!)

A película de Demme explora a desconfiança do espectador que se transmite pela suspeição do próprio protagonista (Roy Scheider). Demme que realizaria anos depois um brilhante “Silêncio dos Inocentes” conduz aqui um filme bastante modesto. Mas há variados pormenores a evocarem o cinema de Hitchcock. O filme estreou pouco tempo antes da morte do Mestre clássico do Suspense. Já este estaria muito velho e doente. Talvez nem tenha reparado na homenagem.

Há inúmeros exemplos de histórias transpostas para o Cinema que se alicerçam na ênfase dada aos sentimentos da Desconfiança e da Dúvida. Em algumas delas o perigo nasce dentro de casa (“Dormindo Com o Inimigo” (1991) de Joseph Ruben com Júlia Roberts; ou “A Verdade Escondida” (2000) de Robert Zemeckis). Outras vezes o perigo pode vir de fora e instalar-se no mundo pessoal das suas vítimas (como em “O Inquilino Misterioso” (1990) de John Schlesinger).

Hitchcock realizou um morno “Lifeboat” (1944) contando a história de um grupo de pessoas deixadas pelo destino a bordo de um barco exíguo. Aqui as suspeições e desconfianças de uns em relação aos outros tornam-se difíceis de suportar. Uma embarcação no alto mar pode suscitar uma dupla sensação de angústia: é um espaço fechado dentro de um espaço aberto imenso.

Roman Polanski concebeu mais tarde um ambiente particularmente tenso em “A Faca na Água” (1962) desenvolvendo a história de dois homens e de uma mulher num barco exíguo. Um possível trio amoroso… Um casal cujo quotidiano é invadido pela presença de um estranho.

As audiências viram Nicole Kidman, Sam Neill e Billy Zane em “Calma de Morte” (1989) dentro do espaço claustrofóbico de um barco. Um filme de Philip Noyce que leva a tensão emocional do espectador à circunstância de cada personagem ter de lutar pela sua vida.

Talvez tenha sido sintomático nomear Roman Polanski. Porque ele é mestre na arte de conceber ambientes inquietantes. E é capaz de criar terror sem efeitos especiais. No domínio da suspeição e da desconfiança isto revela-se fulcral. Veja-se o clássico “A Semente do Diabo” (1968).

Suspeição, Desconfiança e Dúvida? São território de Hitchcock em “Mentira”, “Rebecca”, “Janela Indiscreta” ou “Desconhecido do Norte-Expresso” mas são afinal também temáticas importantíssimas em todas as histórias policiais (como as de Agatha Christie ou de Patrícia Highsmith). Só que Hitchcock tinha o seu jeito próprio de as explorar. E terá sido imensamente imitado ao longo dos anos…

segunda-feira, setembro 11, 2006

NAS PASSADAS DE HITCHCOCK I - Os psicopatas





O que é que aconteceu ao suspense hitchcockiano? Morreu com o cineasta ou ainda existe no cinema dos nossos dias? Na verdade bem sabemos que o suspense não é uma criação de Hitchcock e que já o encontrávamos bem evidente na literatura de Edgar Allan Poe e de H. G. Wells ou no cinema de D. W. Griffith e de Fritz Lang.

Grifith compôs belas sequências de suspense em “Nascimento de Uma Nação” (1915) e em “Intolerância”(1916). Lang foi o criador de brilhantes filmes de suspense como “M” (1931), “The Woman in the Window” (1944) e “O Segredo da Porta Fechada” (1947).

O suspense conhece muitos matizes. Na vida humana como em qualquer forma de arte. O suspense hitchcockiano segue alguns parâmetros e premeia certas temáticas. O que é que lhe sucedeu após o ano da morte de Hitchcock (1980)?

Parece-me evidente que nos últimos anos se operou uma diluição do suspense hitchcockiano em muitos estilos diferentes de thrillers e de histórias de mistério. Ao ponto de já não podermos argumentar com precisão se Hitchcock poderia ou não ter feito este ou aquele filme.

Hitchcock deixou uma legião de seguidores e eventualmente alguns sucessores. Ainda em vida, ele era já muito imitado e acabou competindo com aqueles que copiavam o seu estilo. Podemos neste contexto pensar em “Charada” (1963) e “Arabesco” (1966) de Stanley Donen, em “O Prémio” (1963) de Mark Robson ou em “Wait Until Dark” (1967) de Terence Young.

Brian De Palma que apresentou recentemente no Festival de Veneza o filme “A Dália Negra”, é um relevante continuador do suspense hitchcockiano. Os seus filmes de suspense têm sido financeiramente lucrativos especialmente aqueles que realizou nos anos 70 e 80. Exemplos: "Carrie" (1976), “Vestida para Matar” (1980) e “Testemunha de um Crime” (1984). Filmes mais espalhafatosos do que geniais e que eram exageradamente sangrentos. Com soluções visuais demasiado aparatosas e que evidenciavam algum mau gosto. Obras que aplicam um grande sensacionalismo visual e em que a música de Pino Donaggio procura adensar o suspense ao pormenor de cada segundo.

O primeiro filme hitchcockiano de Brian de Palma foi “Sisters” (1973) e logo depois seguiu-se-lhe “Obsessão”. Ambos têm música do compositor maior do cinema de Hitchcock: Bernard Herrmann.

“Obsessão” foi realizado com mais contenção e reenvia a memória do espectador para “Vertigo” (1958) com todo o seu espírito obsessivo, necrófilo e melancólico.

O que soa a mau gosto em De Palma, soa cruel mas intenso em Jonathan Demme. O seu “O Último Abraço” (1979) é fraco mas muito ao estilo de Hitchcock. O desenvolvimento final do seu “Selvagem e Perigosa” (1986) prende a respiração. A exploração competente do tema dos “serial killers” em “Silêncio dos Inocentes” (1991) revela uma enorme densidade emocional.

Em “Silêncio dos Inocentes” a direcção de actores é brilhante. E o impacto visual das imagens e do modo de filmar intensifica o desempenho dos actores. Alfred Hitchcock, realizador de “Frenzy” (1972), teria rodado um filme como este?

A área temática dos psicopatas é tão importante nos filmes de Hitchcock que lhe poderíamos dedicar um comentário extenso. Veja-se “O Inquilino Sinistro” (1926), “Mentira” (1943), “O Desconhecido do Norte-Expresso” (1952), “Frenzy” ou o incontornável “Psico” (1960).

Mas deve-se salientar que outros filmes historicamente relevantes contam histórias sobre psicopatas e são marginais ao cinema de Hitchcock. Como “Peeping Tom” (1960) de Michael Powell, “The Collector” (1965) de William Wyler ou “Repulsa” (1965) de Roman Polanski.

Nas últimas duas décadas têm-se feito muitos filmes em que o perigo decorrente da loucura se converte num suspense vertiginoso.

“Atracção Fatal” (1987) de Adrian Lyne e “Instinto Fatal” (1992) de Paul Verhoeven foram sucessos retumbantes. Ambos estão centrados num ambiente carregado de erotismo e em que a mulher-tentação se revela um perigo extremo. Glenn Close e Sharon Stone foram as brilhantes estrelas de cada um dos filmes.

Há outros tipos de psicopatas que têm assaltado as histórias dos filmes contemporâneos. O psicopata vingativo que procura repor implacavelmente uma justiça perdida. Exemplos: “A Mão Que Embala o Berço” (1992) de Curtis Hanson e “Jovem Procura Companheira” (1992) de Barbet Schroeder.

Psicopatas com traumas que sendo vítimas do seu destino se tornam carrascos do destino dos outros. Como Robin Williams em “One Hour Photo” e "Insónia" (ambos de 2002).

Histórias que até podem ser tristemente verídicas como acontece no caso do clássico “Massacre no Texas” (1974) de Tobe Hooper. (Aliás a história verídica desse psicopata havia inspirado "Psico" muitos anos antes.)

A loucura pode ser um fundamento credível para os procedimentos mais brutais. E parece conferir sentido e lógica a realidades inimagináveis. Hitchcock apercebeu-se disso. E do perigo que pode advir de um louco à solta. Perigo para os personagens. Emoção para os espectadores… Esta receita para o cinema de suspense não perdeu o seu impacto.

quarta-feira, setembro 06, 2006

HITCHCOCK NA ESPLANADA (Conclusão)


Caminhamos placidamente para os derradeiros dias de Verão. E, como ficou prometido, a Cinemateca conclui até ao final do mês o ciclo HITCHCOCK NA ESPLANADA. Às quintas, sextas e sábados sempre às 22.30.

O programa inclui algumas omissões graves porque este não é obviamente um ciclo de revisitação integral da obra do realizador. Mas é sempre apetecível reencontrar o bom cinema do Mestre clássico do suspense no conforto da esplanada junto ao bar. Especialmente porque as condições de projecção são muito boas.

Nos corredores da Cinemateca podemos examinar uma colecção de cartazes e posters publicitários relativos à obra de Hitchcock.

As sessões têm um intervalo e só começam a meio do serão. Logo há espaço e oportunidade para conviver com os amigos e respirar serenamente o ar fresco e suave das noites de Verão. O serviço de bar funciona até à meia-noite. Quem estiver só pode levar um livro, um jornal ou um passatempo e permanecer no espaço enquanto o grupo de espectadores se vai juntando.

Quando estou sozinho lá, sinto-me em família, rodeado por desconhecidos que me parece conhecer muito bem... A unir-nos está uma cinefilia revigorante e a partilha de um ambiente que é de todos nós e que gozamos na memória do mestre Hitchcock. Beber um café diante de James Stewart, de Janet Leigh ou de Ingrid Bergman é para mim respirar no meu habitat natural. Mas garanto-vos que é imensamente agradável ouvir as exclamações e os risos de outros espectadores. O Cinema adequa-se bem aos solitários mas muitos solitários juntos fazem uma audiência animada. E onde há animação há vida...

Hitchcock vê-se e revê-se com agrado. Revisitar alguns dos seus filmes é um ritual que enriquece o ânimo e a experiência pessoal de qualquer hitchcockiano.

Isto no momento em que o preço dos DVDs baixa e muito do cinema de Hitchcock está acessível e bem difundido comercialmente. E nos meses em que o canal Hollywood tem reposto alguns sucessos do Mestre em horário nobre... Mas bom... Os cinéfilos não costumam trocar uma tela verdadeira por um écran de televisão.

Por tudo isto lá irei estar na esplanada... Com um café diante de mim. Quem não me conhece, procure entre os trintões gorduchos e pensativos que por lá passeiam. E talvez os vossos olhos passem por mim.

Passam nos próximos dias:

DESAPARECIDA, Quinta 7
O DESCONHECIDO DO NORTE-EXPRESSO, Sexta 8
PSICO, Sábado 9

A POUSADA DA JAMAICA, Quinta 14
SOB O SIGNO DO CAPRICÓRNIO, Sexta 15
A CORDA, Sábado 16

JOVEM E INOCENTE, Quinta 21
A CASA ENCANTADA, Sexta 22
DIFAMAÇÃO, Sábado 23

REBECCA, Quinta 28
LADRÃO DE CASACA, Sexta 29
JANELA INDISCRETA, Sábado 30