terça-feira, agosto 15, 2006

FELIZ ANIVERSÁRIO MRS ALMA HITCHCOCK!



Ontem teria sido dia de festa em casa dos Hitchcock. A grande senhora por detrás do ilustre cineasta Alfred Hitchcock festejaria ontem 107 anos. Era uma mulher discreta mas muito mais influente do que poderíamos pensar à partida.

Alfred Hitchcock dependia da sua mulher de uma forma subtil mas intensa. Ela oferecia-lhe estabilidade emocional e segurança. E ele gostava sempre de escutar a sua opinião.
Alma Hitchcock lia frequentemente as propostas que eram feitas ao marido. Revelava a sua opinião acerca de cada projecto e contribuía com ideias e sugestões.

Era uma senhora que emprestava conforto e confiança a Hitchcock. Carinho e compreensão. Gostava de se vestir bem e de cuidar da sua imagem mas não era exuberante nem tremendamente bonita como as actrizes que o marido dirigia.

O lado mais tímido e frágil de Hitchcock tinha necessidade de uma mulher temperamentalmente forte e que fosse competente nas suas funções. Alma começou a trabalhar na indústria cinematográfica ainda antes de Hitchcock. Era uma profissional experiente em muitas áreas da produção de um filme.

Alma nasceu a 14 de Agosto de 1899. Fez ontem 107 anos. O seu rotundo marido nasceu um dia antes: a 13 de Agosto de 1899. Por ironia ou capricho do destino. Hitchcock reparou em Alma pouco tempo depois de começar a vê-la trabalhar em Londres.

Perguntavam a Hitchcock porque gostara tanto de Alma. Ele respondia com humor: “Gosto de mulheres mais velhas.”

Hoje eu saúdo mais uma vez o casal. Numa época em que o casamento assusta um pouco as pessoas porque parece que as acorrenta a um compromisso,
Alma e Alfred Joseph viveram um belo exemplo de parceria romântica, emocional e profissional. Que durou mais de cinquenta anos.

Um ano depois de ter começado a escrever neste blog, é natural que me sinta no dever metodológico de fazer um balanço destas sessenta semanas. Para preparar melhor os meses que estão para vir.

Há amigos meus que comentam que escrevo demais e que cada post deveria ser mais breve. Eu gosto de desenvolver uma ideia durante vários dias. Por isso, opto sistematicamente por escrever mais linhas de cada vez, publicando menos mensagens por mês. É uma estratégia.

Este blog é a tentativa de fazer uma reflexão prolongada sobre o meu amor aos filmes. Há quem comente que deveria falar mais de outros realizadores e de outras áreas temáticas do Cinema no tempo e no espaço.

No entanto, a construção deste blog deveria partir de um dos pontos centrais da minha cinefilia: o hitchcockianismo.

Daqui a um ano, Alfred Hitchcock completaria 108 anos. No dia 13 de Agosto. Nesse dia conto publicar o derradeiro post deste blog que tanto servirá de instrumento de conclusão como de ponte para um outro possível blog.

O compromisso que me mantém fiel à cinefilia e ao hitchcockianismo terá cimentado raízes há muitos anos. Talvez há mais de duas décadas e meia. Vive neste blog e acredito que permanecerá activo pela minha vida fora.

O compromisso entre Hitchcock e Alma terá sido concebido a bordo de um navio. Viajavam em missão de trabalho e, depois de um intenso impasse, Hitchcock ter-se-à abalançado a propor Alma em casamento. O barco agitava-se muito porque o mar estava inquieto. Alma estava muito agoniada e encontrava-se estendida sobre uma cama. Entre soluços e um ligeiro arroto terá declarado que aceitava a proposta de Alfred Joseph.

Hitchcock guardaria para sempre a memória daquela cena romântica adornada com o arroto de Alma. Parecia que o amor e o humor estavam sempre presentes na vida e no cinema de Hitchcock. Às vezes em momentos cruciais.

O meu compromisso com o Cinema (e muito em particular com o universo de Alfred Hitchcock) é sólido e sadio. Mas uma coisa vos digo: um filme pode ser uma criação espantosa e há filmes que me divertem imenso sempre que os revejo. Mas nenhum filme substitui o calor humano de uma mulher como Alma. (Nem a oferta de amor expressa num arroto espontâneo como aquele…)

O filme acaba e é apenas celulóide, um disco metálico ou fita de VHS. Não nos acarinha nem aconselha. Delicia-nos enquanto está a passar mas não fala directamente para nós nem nos beija. Por isso saúdo sempre o Cinema. Mas saúdo hoje em particular o amor de Alma. Todo o tipo de amor que enriquece a experiência de viver neste mundo. Feliz 107º Aniversário!

domingo, agosto 06, 2006

SOBRE O MACGUFFIN - O MOTIVO DE TODOS OS MOTIVOS


O Cinema de Hitchcock é para todos os efeitos um fenómeno de criação e de recriação de ilusões. Um entretenimento e uma fuga à realidade. Por isso, quase nunca os seus filmes relatam histórias quotidianas mas mostram antes pessoas do quotidiano em situações extraordinárias.

Para Hitchcock era primordial que o espectador se identificasse com o herói e que, por meio dessa identificação, vivesse intensamente as peripécias do seu percurso atribulado.

O “macguffin” é um termo de importância central na aproximação de Hitchcock ao Cinema. Faz parte de qualquer glossário de princípios hitchcockianos. O “macguffin” simboliza um interesse que mobiliza e afecta densamente o destino dos personagens de um filme.

Pode ser o conteúdo misterioso das garrafas escondidas na adega de uma casa grande (como em “Difamação”). Ou o teor da fórmula secreta que move os espiões e os contra-espiões. Pode ser a causa de se querer a morte de alguém ou o motivo do estabelecimento de uma loucura ou de uma obsessão. Razões e explicações? Hitchcock não perdia muito tempo com elas. Nem era necessário fazê-lo.

O “macguffin” existe para cumprir uma função. É a explicação para um roubo, para uma sabotagem ou para um assassinato. Basta que tomemos consciência da sua importância. Que sintamos que é um pormenor vital.

Nem sempre Hitchcock narrava as histórias do princípio ao fim. Não raras vezes, deixava pormenores insolúveis. E também esse aspecto enriquecia indirectamente o enredo dos seus filmes, tornando-os mais complexos e menos lineares.

Veja-se a densidade emocional dos personagens de “Os Pássaros” que está muito para além da história de terror. Ou a paixão entre Cary Grant e Ingrid Bergman em “Difamação” que acaba por se revelar como estando acima do interesse pelo destino dos vilões e pela intriga de espionagem.

Na verdade, Hitchcock contava sempre o essencial. Mas não perdia tempo a explicar aspectos secundários. A menos que esses aspectos iludissem o espectador e o conduzissem a uma surpresa. (É o que acontece com a trivial questão dos 40 000 dólares roubados em “Psico”.)

Como é que surge o termo “macguffin”? Hitchcock costumava contar a história do “macguffin” a muitos dos seus entrevistadores.

Segundo ele, dois homens viajavam de comboio e um deles terá perguntado ao outro: “Desculpe-me a curiosidade, o que traz o senhor nessa mala?” O seu interlocutor respondeu laconicamente: “É um macguffin.” O homem curioso terá torcido a cabeça e coçado o couro cabeludo. Estava intrigado. “O que é um macguffin? Queira desculpar porque se calhar sou muito ignorante…” O homem da mala olhou-o e respondeu prontamente: “Um macguffin serve para caçar leões na Escócia. É muito útil!
Mas…” – Terá sentenciado o outro entre gaguejos – “Mas não existem leões na Escócia!” Estava intrigado com a razão de ser de uma coisa que não servia qualquer fim. “Não há leões na Escócia? Então o que trago na mala não é certamente um macguffin.” – Concluiu prontamente o outro homem.


Moral da história: O “macguffin” existe porque tem razão de existir e é importante. No entanto, não interessa a Hitchcock nem aos espectadores percebê-lo intrinsecamente. É suficiente que se tome consciência de que é um aspecto de importância crucial.

Uma boa razão para um homem querer matar a sua esposa pode ser o seu desejo de fugir para a Escócia para caçar lá leões. Mas não existem lá leões?! Então não pode ter sido esse o propósito que explica o assassinato. Seja como for, o que interessa é que ele a matou e pode voltar a matar alguém. É nesse receio, nessa emoção que Hitchcock tentará desenvolver o conteúdo da sua história.

O “macguffin” é uma explicação plausível. Mas não interessa verdadeiramente saber em que consiste. O homem matou a sua esposa porque tem uma amante que vive na Escócia e quer ir viver com ela. De qualquer modo, ele até podia querer ir caçar leões a terras britânicas ou à cidade de Paris. Desde que o inverosímil parecesse coerente…

A emoção e, muito em particular, a construção do suspense são muito mais relevantes do que as explicações. Hitchcock enfatiza em cada cena, em cada plano de alguns dos seus melhores filmes o valor da imagem e o propósito dela servir um fim: desenvolver o universo emocional dos espectadores.

“As pessoas pagam para ser assustadas.” – Costumava proferir ele. De facto, pagam para se sentirem tontas e inseguras no ponto mais íngreme do percurso da montanha russa. Ou para se arrepiarem no comboio-fantasma das feiras. Pagam para ver filmes de terror. Para se esquecerem do seu quotidiano. Para se anestesiarem das dores rotineiras e encontrarem uma fuga emocional algures na luz da máquina de projectar filmes.

E o que é o Cinema senão uma máquina de construção de sonhos? Uma fuga à realidade… Ou numa boa hipótese um reenvio para a realidade através do percurso da ficção…