segunda-feira, julho 24, 2006

HITCHCOCK E OS OSCARS






A relação do cinema de Hitchcock com o universo dos Óscars não foi feliz. Hoje a Academia de Hollywood bem pode sentir-se desconfortável por não ter atribuído um único galardão ao Mestre do Suspense no espaço de cinco décadas, dezenas de filmes e inúmeros sucessos de bilheteira.

Claro que em 1966, Hitchcock recebeu o Irving Thalberg Award como prémio por uma carreira de qualidade invulgar. No enatanto, os prémios de consagração de carreiras não são Óscars genuínos diga-se o que se disser.

Pareceu-me interessante investigar todos os Óscars atribuídos a filmes de Hitchcock nas mais variadas categorias. Apresento aqui uma lista das atribuições sem menosprezar as nomeações que, por si só, já são um sinal de prestígio evidente.

Alfred Hitchcock foi nomeado 5 vezes para Melhor Realizador. Por:
  • Rebecca, 1940
  • Um Barco e Nove Destinos, 1944
  • Casa Encantada, 1945
  • Janela Indiscreta, 1954
  • Psico, 1960

O único filme de Hitchcock a receber o prémio de Melhor Filme do Ano foi "Rebecca", obra materializada pelo grande produtor David O. Selznick um ano depois do seu "E Tudo o Vento Levou". A influência de Selznick em Hollywood era enorme. E embora "Rebecca" seja um belo filme sob variados aspectos - nomeadamente o da riqueza visual expressa na bela fotografia a preto e branco - grandes obras-primas de Hitchcock hoje unanimemente aclamadas nem sequer foram nomeadas para o galardão de Melhor Filme. Como por exemplo "Janela Indiscreta", "Mentira", "Vertigo", "Intriga Internacional", "Psico" ou "Os Pássaros".

Os Óscars valem o que valem. Acima de tudo atribuem estatuto e uma enorme capacidade de encaixe financeiro. Mas as qualidades dos filmes não são quantificáveis. Os gostos mudam e os conceitos de qualidade metamorfoseiam-se. O que hoje é genial amanhã poderá parecer datado. E o que não parece relevante agora poderá ser mais tarde digno de uma enorme respeitabilidade.

Os Óscars envolvem dinheiro, influência e interesses. Mas mesmo assim marcam a História de Hollywood e, com ela, a evolução dos padrões cinematográficos. Por isso, pelo que representam, fiz uma pequena investigação. Aqui está a listagem das atribuições, apresentada ano a ano.

1940 - "REBECCA"

  • Melhor Filme
  • Melhor Fotografia a Preto e Branco

Nomeado para: Melhor Realizador, Melhor Actor (Lawrence Olivier), Melhor Actriz (Joan Fontaine), Melhor Actriz Secundária (Judith Anderson), Melhor Argumento Adaptado, Melhor Art Direction, Melhor Montagem, Melhor Banda Sonora Original (Franz Waxman), Melhores Efeitos Especiais.

1940 - "CORRESPONDENTE DE GUERRA

Nomeado para Melhor Filme, Melhor Actor Secundário (Albert Basserman), Melhor Argumento Original, Melhor Fotografia a Preto e Branco, Melhor Art Direction, Melhores Efeitos Especiais.

1941 - "SUSPEITA"

  • Melhor Actriz (Joan Fontaine)

Nomeado para Melhor Filme, Melhor Banda Sonora Original (Franz Waxman)

1943 - "MENTIRA"

Nomeado para Melhor Argumento Original (SÓ?)

1944 - "UM BARCO E NOVE DESTINOS"

Nomeado para Melhor Realizador, Argumento Original, Fotografia a Preto e Branco.

1945 - "CASA ENCANTADA"

  • Melhor Banda Sonora Original (Miklos Rozsa)

Nomeado para Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Actor Secundário (Michael Chekhov), Melhor Fotografia a Preto e Branco, Melhores Efeitos Especiais.

1946 - "DIFAMAÇÃO"

Nomeado para Melhor Actor Secundário (Claude Rains) e Melhor Argumento Original.

1947 - "O CASO PARADINE"

Nomeado para Melhor Actriz Secundária (Ethel Barrymore)

1951 - "O DESCONHECIDO DO NORTE EXPRESSO"

Nomeado para Melhor Fotografia a Preto e Branco.

1954 - "JANELA INDISCRETA"

Nomeado para Melhor Realizador, Melhor Argumento, Melhor Fotografia a Cores e Melhor Som.

1955 - "LADRÃO DE CASACA"

  • Melhor Fotografia a Cores

Nomeado para Melhor Guarda-Roupa e Melhor Art Direction.

1956 - "O HOMEM QUE SABIA DEMAIS"

  • Melhor Canção ("Whatever Will Be, Will Be)

1958 - "VERTIGO"

Nomeado para Melhor Art Direction e Melhor Som. (SÓ?)

1959 - "INTRIGA INTERNACIONAL"

Nomeado para Melhor Argumento Original, Melhor Art Direction, Melhor Montagem.

1960 - "PSICO"

Nomeado para Melhor Realizador, Melhor Actriz Secundária (Janet Leigh), Melhor Fotografia a Preto e Branco, Melhor Art Direction.

1963 - "OS PÁSSAROS"

Nomeado para Melhores Efeitos Especiais (SÓ?)

Duas Interrogações adicionais:

1) Como é que não há mais actores secundários nomeados? Exemplos: Thelma Ritter em "Janela Indiscreta", Lila Kedrova em "Cortina Rasgada", Jessica Tandy em "Os Pássaros" ou Barbara Bel Geddes em "Vertigo".

2) Como é que nenhuma das brilhantes bandas sonoras de Bernard Herrmann compostas para Hitchcock recebeu uma nomeação? Foi estranho mas aconteceu...

segunda-feira, julho 10, 2006

NA ESPLANADA COM HITCHCOCK


Estamos no Verão. Estes dias quentes propiciam plácidos serões ao ar livre. Nesta época há mais tempo disponível para o entretenimento e para o lazer. A receita para uma noite agradável pode inquestionavelmente resultar da soma de um bom filme com um momento de convívio prazenteiro.

Tendo em mente todas estas considerações, a Cinemateca Portuguesa (na Rua Barata Salgueiro em Lisboa) convida-nos a rever alguns dos grandes filmes do Mestre do Suspense no espaço da esplanada junto ao bar e à livraria. Às quintas, sextas e sábados sempre às 22.30. O ciclo tem o nome “NA ESPLANADA COM HITCHCOCK”.

É uma oportunidade simpática para todos os cinéfilos nostálgicos, para quem não dispensa um bom filme projectado numas dimensões maiores do que as da televisão. E para quem não está habituado a ver cinema debaixo do céu estrelado.

Parece que a época dos jardins-cinema já passou. O hábito dos drive-in nunca conheceu grandes implementações em Portugal. E talvez as exibições na parede da praça principal da vila já não aconteçam sob o ambiente festivo de outros tempos. (Agora é mais fácil descobrir cinema numa das várias salas pequenas do centro comercial da terra.)

Por isso, mais uma vez, a Cinemateca nos presenteia com um programa de filmes exibidos na esplanada, num ambiente familiar e sereno e onde se respira uma cinefilia revigorante.

Eu ainda sou dos dias em que um filme podia ser reposto inúmeras vezes depois da sua temporada de estreia. E dos tempos em que o Verão era a época soberana do ano para as reprises. Por isso, rever cinema antigo num tranquilo serão de Julho é qualquer coisa que me convoca para algumas das mais agradáveis recordações de tempos idos.


O ciclo decorre até ao final do mês no horário atrás definido. E está prometido que continuará em Setembro. Aqui fica a lista das obras que ainda poderemos redescobrir nos próximos dias.

  • "OS 39 DEGRAUS" - Quinta-Feira, 13
  • "JANELA INDISCRETA" - Sábado, 15
  • "CORRESPONDENTE DE GUERRA" - Quinta-Feira, 20
  • "SUSPEITA" - Sexta-Feira, 21
  • "MARNIE" - Sábado, 22
  • "À 1 E 45" - Quinta-feira, 27
  • "MENTIRA" - Sexta-feira, 28
  • "FRENZY - PERIGO NA NOITE" - Sábado, 29

terça-feira, julho 04, 2006

O GRANDE COMPOSITOR DE HITCHCOCK











O passado dia 29 de Junho e particularmente as linhas que aqui escrevo estavam no meu horizonte há vários meses. Porque nesse dia o grande compositor e maestro Bernard Herrmann completaria 95 anos se fosse vivo.

Na verdade, eu havia mesmo idealizado uma homenagem especial a este homem cuja obra me tem marcado com uma dose de magia. Mas diversos acontecimentos vieram contrariar as minhas intenções
Como cantava John Lennon (dos Beatles), numa música já perdida no tempo (mas não na memória de certas pessoas), a Vida é tudo aquilo que nos acontece enquanto fazemos planos para ela. Ou como dizia o outro: Queres pôr Deus a rir? Conta-lhe os teus planos!”


Façamos de conta que o dia 29 não passou sem eu ter deixado aqui umas palavras de apreço pela vida e pela obra de Bernard Herrmann.

Bernard Herrmann foi o grande compositor do cinema de Alfred Hitchcock. Trabalhou durante mais de três décadas na criação de música para filmes e iluminou imagens de realizadores tão distintos como Orson Welles, Martin Scorsese ou François Truffaut.

A colaboração entre Hitchcock e Herrmann foi perfeita e paradigmática. É o exemplo de como um cineasta e um músico podem trabalhar em parceria criando juntos algo de luminoso e de único. A união das imagens dos filmes de Hitchcock com a música de Herrmann é exemplarmente harmoniosa. Como se Herrmann tivesse nascido para tornar genial o cinema de Hitchcock. E vice-versa: como se Hitchcock tivesse vivido para criar atmosferas propícias ao engenho de Herrmann.

Não me parece importante deter-me com pormenores biográficos sobre a vida deste homem de carisma artístico invulgar. Posso dizer que era oriundo de uma família de emigrantes judeus russos que se mudou para os Estados Unidos. Nasceu a 29 de Junho de 1911 na cidade de Nova-York. Estudou Música, desenvolveu contactos precoces com pessoas relevantes do universo das artes e decidiu muito jovem que queria ser compositor e maestro.

Trabalhou na rádio (na estação CBS) onde terá conhecido Orson Welles para quem compôs música em inúmeros programas de teatro radiofónico. A mais célebre e impressionante emissão radiofónica de Welles e Herrmann foi certamente uma adaptação realista de “A Guerra dos Mundos” de H. G. Wells.

Em 1941, Orson Welles realizou, escreveu e interpretou o seu primeiro filme: o aclamadíssimo “Citizen Kane”. E convidou o seu amigo Bernard Herrmann para criador da banda sonora da obra.

Nesse mesmo ano, Herrmann, então com 30 anos, recebeu um Óscar pelo seu trabalho em “The Devil and Daniel Webster” de William Dieterle.

Herrmann era um homem irascível e temperamental. O seu trabalho é a obra de um artista e pensador, devoto da arte musical e que gostava de reflectir sobre as suas potencialidades no universo cinematográfico.

Trabalhou na composição de bandas sonoras de dezenas de filmes e também compôs para televisão (música para episódios de séries famosas como “A Quinta Dimensão” ou “Alfred Hitchcock Apresenta…”)

Com Hitchcock concebeu algumas das suas obras-primas, entre elas “Vertigo” (1958) e “Psico” (1960). Mas também “Intriga Internacional” (1959) e “Marnie” (1964).

Sabem, meus amigos leitores, não entendo ao certo o que mais me sensibiliza e impressiona na música de Bernard Herrmann. A Música remete para emoções e as emoções nem sempre se explicam. Talvez possa ser a expressividade das suas criações musicais, a nostalgia que emana de certas partituras ou o efeito poético e harmonioso que produzem em nós.

A música de Herrmann expressa emoções. É verdade. Medo, ansiedade e amor. É uma música (quase sempre) criada para acompanhar imagens mas vive à margem delas e envia-nos para um universo onírico de sensações únicas.

Grande maestro (dizem que sentia um enorme prazer e realização pessoal a dirigir uma orquestra), Herrmann será certamente imortalizado pelo seu trabalho no Cinema. Esse trabalho que ele abraçou por um capricho insistente do destino.

Convido os meus leitores a visitarem o site do Bernard Herrmann Society que reúne inúmeros documentos e trabalhos de apreciação do grande compositor. (www.bernardherrmann.org) Já tenho colaborado no fórum do site, trocando ideias e partilhando conhecimentos com variadíssimas pessoas entusiastas da arte de Herrmann.

E claro para os grandes fãs de Herrmann há sempre a sua biografia escrita por Steven C. Smith em 1991 e intitulada “A Heart at Fire’s Center” (“Um Coração No Centro do Fogo”).

O prazer e o entusiasmo que o trabalho de Herrmann suscita são peculiares. Porque a sua música nem sempre é doce e afável. Nem sempre é meiga e confortável para os nossos ouvidos. Ele era um compositor arrojado. Às vezes ousava ser experimental e inovador. Outras vezes era mais convencional mas nunca desinteressante.

Convido também as pessoas que me lêem a visitar o site do British Film Institute (BFI), em Londres, onde irá decorrer durante o mês de Julho um interessante ciclo de filmes com música de Herrmann. Se a distância à capital inglesa fosse mais rápida e menos dispendiosa, talvez ousasse passar por lá…

Bernard Herrmann faleceu na noite de Natal do ano de 1975. Um dia depois de estarem completas as gravações relativas à banda sonora de “Taxi Driver” de Scorsese. Herrmann morreu cedo demais.

Dizem que Spielberg o admirava profundamente e talvez filmes como “Encontros Imediatos de 3º Grau” (1977) ou “Inteligência Artificial” (2001) fossem projectos que motivassem o empenho do compositor. Agora só podemos especular…

Sim. Bernard Herrmann deixou este mundo cedo demais. Ainda tinha muito para nos oferecer mas estava cansado e doente. O seu legado é extenso e não está verdadeiramente completo. Em 1991, Scorsese refez “O Cabo do Medo” a partir de um filme de 1962 e recorreu à banda sonora original de Herrmann e a excertos de uma partitura dele nunca usada.

Em 1998, Danny Elfman conduziu uma regravação de “Psico” para a modesta remake de Gus Van Saint. Há cerca de três anos, Quentin Tarantino incluiu “Twisted Nerve” de Herrmann na banda sonora de “Kill Bill”.

A magia e o talento de Bernard Herrmann permanecem vivos em brilhantes gravações digitais editadas nos mercados discográficos mundiais. Pela mão de pessoas empenhadas, de maestros atentos e de trabalhos de orquestra cuidados. Regrava-se e reedita-se Herrmann. Nunca antes Herrmann esteve tão próximo dos seus admiradores. E hoje graças à tecnologia da Internet alcança-se com uma facilidade inédita algumas das suas gravações mais raras.

Bernard Herrmann enriquece o quotidiano de muitas pessoas. Pode parecer estranho ouvir Herrmann no carro a caminho do emprego. Herrmann e não Tina Turner ou os U2. Mas o universo de Herrmann funciona como paralelo a todos os outros. Diferente e alternativo. Ontem como hoje. Hoje como amanhã. Dentro ou fora dos filmes. Anexado ou não a imagens. Esse é um dos seus encantos…