terça-feira, maio 20, 2008

JAMES STEWART NASCEU HÁ CEM ANOS

JAMES STEWART (1908 - 2008)


Faz hoje cem anos que nasceu. Chamava-se James Maitland Stewart. Foi um dos mais consagrados actores americanos de sempre. Ganhou um óscar em "The Philadelphia Story" (1940) de George Cukor - uma comédia com Katharine Hepburn e Cary Grant. Mas eu não o esqueço em "A Loja da Esquina" do mesmo ano e realizado por Ernst Lubitsch e igualmente no clássico "Do Céu Caiu uma Estrela" (1946) de Frank Capra.

Foi igualmente notável em "Harvey" (1950) de Henry Koster onde representava um excêntrico homem cujo melhor amigo seria um coelho gigante que ninguém via. Ou em "Anatomia de Um Crime" (1959) de Otto Preminger, onde representava o papel de um advogado no cenário dramático de um tribunal.

Representou vários westerns mas nunca gostei muito de o ver encarnar papéis de cowboy. O melhor desses exemplos será "O Homem Que Matou Liberty Valance" (1962) de John Ford.

Mas claro que um dos melhores espaços de trabalhou que encontrou foi ao lado de Alfred Hitchcock. Para o cineasta do suspense, protagonizou quatro filmes, dois deles brilhantes ("Vertigo" e "Janela Indiscreta") outros dois bastante interessantes (o divertido "O Homem Que Sabia Demais" e o experimental "A Corda").

Penso que aquilo que mais me agrada na presença de Stewart é que representava brilhantemente o homem comum. Não me parece que tivesse grandes capacidades interpretativas. Não como Henry Fonda, Anthony Quinn, William Holden, Alec Guiness ou Burt Lancaster. Mas a postura de Stewart era convincente.

Não tinha um aspecto atlético nem conquistador. Parecia frágil, vulnerável, facilmente afectado pelas vicissitudes das intrigas hitchcockianas. Contrariamente a Cary Grant cujos papéis pareciam mais artificiais e eram muito menos dramáticos (porque no cinema de Hitchcock, Grant parecia conseguir vencer sempre as adversidades com moderada destreza). E quando Hitchcock quisera fazer dele um vilão (em "Suspeita") nem os produtores o consentiram.

A história da maior parte dos filmes de Hitchcock envolve homens e mulheres comuns. James Stewart parecia um deles. Era um deles. Mostrava-se genuíno na figura do homem que é vítima dos outros e de si próprio. E que sofre o drama das suas limitações e fraquezas. Stewart interpretava papéis complexos e que na generalidade não eram lineares. Esse foi um valioso contributo para o cinema de Hitchcock - facilmente o espectador se identifica com um homem vulnerável, que não é muito valente nem particularmente virtuoso. (Afinal, quem o mandou espreitar para as janelas dos vizinhos ou envolver-se pela suposta mulher de um pretenso amigo?)

quarta-feira, maio 14, 2008

1955: O ANO DA FELICIDADE

1) Os bosques da Nova Inglaterra

2) O genérico de "Terceiro Tiro" com o nome de Robert Burks
3) Uma cena de "Ladrão de Casaca"


A Hitchcock está usualmente associada a imagem de um cinema denso e dramático. Mais emocionalmente intenso do que idílico. É verdade que os seus filmes desenvolvem permanentemente as temáticas do suspense, do medo e do crime. Cenários visuais como os de “Rebecca” ou de “Psico” são sintomáticos do clima sombrio que ele construia com maestria e naturalidade no seio do seu trabalho.

Hitchcock gostava muito de filmar a preto-e-branco. O seu primeiro filme a cores, “A Corda” (1948) foi realizado dez anos depois de algumas das mais famosas produções em Technicolor. O clássico “E Tudo o Vento Levou” de 1939, produzido por David O. Selznick, é o retrato de uma indústria que se revigorava à passagem de cada década. Com o final dos anos 20 veio o som. No termo dos anos 30 desenvolveu-se categoricamente a fotografia a cores nos filmes.

Como parece lógico, há filmes que beneficiam mais particularmente dos recursos decorrentes de uma imagem multicolorida que pode ser trabalhada com tons mais intensos ou esbatidos. Em Hollywood, cedo se interiorizou um conceito mais ou menos explícito: um filme dramático beneficia da perspectiva sombria e nostálgica do preto-e-branco. Por isso, filmar a preto-e-branco persistiu como um procedimento corrente até à década de 60. E no domínio dos óscares (para referir o caso dos mais famosos prémios de Cinema), fazia-se a distinção entre o galardão para a Melhor Fotografia a Cores e o galardão para a Melhor Fotografia a Preto-e-Branco.

Nos anos 70 e 80, Woody Allen, Martin Scorsese, David Lynch e muitos outros cineastas notáveis recusariam a cor na fotografia de alguns dos seus filmes – em abono de uma interiorização psicológica maior ou da construção de retratos do mundo tão extremamente humanos como desumanos.

Hitchcock gostava de filmar a preto-e-branco e só muito depois de 1948 é que admitiu que a cor lhe oferecia mais recursos suplementares de trabalho.

Em 1955, encontramos dois filmes ligeiros na filmografia do Mestre do Suspense. São cómicos e imbuídos de ironia. Não têm um suspense de cortar a respiração nem uma intriga exemplarmente hitchcockiana. Mas, mais do que isso, um pormenor os parece ligar: a intensidade e beleza da cor.

Claro que me refiro a “Ladrão de Casaca” e “Terceiro Tiro”. Filmes com imagens de grande beleza cinematográfica e artística. O primeiro recebeu o Óscar para Melhor Fotografia – foi o único filme de Hitchcock a receber um óscar nessa categoria. O segundo enquadra uma trama «deliciosamente» macabra nas paisagens idílicas da Nova Inglaterra.

Nem importa que o suspense neste ano de 1955 não fosse de colar o espectador à cadeira. Parece que Hitchcock buscava inspiração num outro tipo de imagens – horizontes de paz, bosques esverdeados quase que aparentemente pintados numa tela (sem parecerem nada artificiais).

Naquele ano, Hitchcock parecia inclinado a criar cinema mais ligeiro e particularmente belo ao olhar. Podemos constatar que “Ladrão de Casaca” é uma moderada desilusão. Enquanto “Terceiro Tiro” surge como uma inteligente e bem tecida ironia mas não oferece ao hitchcockiano comum aquilo que ele mais aprecia.

Críticas feitas aos filmes, o poder da fotografia a cores (bem intensa nas duas obras) resulta como um dos mais belos trunfos do cinema de Hitchcock naquele ano de 1955. “Terceiro Tiro” é um exemplo cinematográfico mais equilibrado do que Ladrão de Casaca”. Em todos os aspectos sem excepção.

“Ladrão de Casaca” reúne um par mítico de actores: Cary Grant e Grace Kelly. Mas nem o «glamour» das estrelas nem a paisagem paradisíaca das praias do Mónaco, emprestam ao filme o impacto emocional suficiente. Se esse impacto não foi procurado, Hitchcock quereria pelo menos fazer ali um filme divertido - e só atingiu esse propósito de modo parcial e desequilibrado.
“Terceiro Tiro” parte, pelo contrário, de um argumento bastante inspirado e que é desenvolvido por um grupo de actores que soube emprestar àquela trama humana toda a graça e naturalidade que eram necessárias.

A fotografia de “The Trouble with Harry” é quase perfeita. Em “To Catch a Thief”, há trabalhos de montagem menos geniais. Refiro-me às cenas em que os protagonistas passeiam de carro. Era comum filmar os actores num cenário e depois fazer passar imagens por detrás deles. O truque poupava o esforço de filmar os intérpretes num carro em movimento mas nem sempre resultava na perfeição. Aos olhos dos jovens dos nossos dias, habituados ao nível da qualidade técnica contemporânea, certos defeitos parecem crassos e por isso lhes apetecerá dizer: «Vê-se mesmo que é uma montagem!»

Nestes âmbitos da Fotografia no universo hitchcockiano, parece incontornável referir o nome de um grande técnico, Robert Burks, que trabalhou em 12 filmes do realizador e foi responsável por desempenhos notáveis. Burks fazia parte da grande equipa que trabalhou com Hitchcock na época áurea da sua carreira.

Em 1951, foi o brilhante director de fotografia de “Desconhecido do Norte-Expresso”. Depois, foi sempre aceitando propostas diferenciadas do cineasta inglês. Umas exigiam imagens reais, cruas e quase documentais – como “Falso Culpado” ( 1957) ou “Confesso” (1952). Outras careciam de um tipo de imagem mais estilizada – como “Janela Indiscreta” (1954) que se passava num cenário fechado e clautrofóbico ou “Vertigo” (1958) que vivia de imagens oníricas, nubladas, às vezes captadas em espaços amplos e muito abertos.
Em tudo aquilo em que colaborou com Hitchcock, Robert Burks respondeu com o melhor de si. E nunca desiludiu em aspecto algum.

Em “Chamada para a Morte”, usou uma cor densa naquilo que pode ser considerado uma peça filmada em termos cinematográficos. As imagens do filme foram depois trabalhadas para serem projectadas segundo o processo tecnológico das 3 dimensões. Na cena do ataque a Grace Kelly, o pormenor da tesoura era particularmente evidenciado.

Em “O Homem Que Sabia Demais” (1956) e “Intriga Internacional”, a riqueza de certos decors era captada com o auxílio de Robert Burks. A “O Falso Culpado” (1957), foi impressa a autenticidade de um documento quase jornalístico.

Robert Burks também trabalhou em “Marnie” e “Os Pássaros”. Curiosamente, ele era um mestre na área específica dos efeitos especiais. Trabalhou num filme americano sobre o milagre de Fátima – “The Miracle of Our Lady of Fatima” (1952) mas também no mesmo domínio em “Key Largo” (1948) de John Huston, “The Woman in White” (1948) de Peter Godfrey feito a partir de um dos meus romances clássicos preferidos, “The Big Sleep” (1946) de Howard Hawks e “Arsenic and Old Lace” (1944) de Frank Capra.

O trabalho de Robert Burks como o de qualquer outro grande director de fotografia enriquece a arte de todo o tipo de cineastas. Aos que não têm ideias nem talento, empresta alguma magia visual. Àqueles que são mestres na realização, oferece tudo aquilo que lhes é pedido, apela a sugestões significativas e responde para além daquilo que é inicialmente proposto.

Filmes como “Apocalipse Now” (fotografia de Vittorio Storaro), “Niagara” (fotografia de Joseph MacDonald), “2001 – Odisseia no Espaço” (fotografia de Geoffrey Unsworth), “Taxi Driver” (fotografia de Michael Chapman), “Big Fish” (fotografia de Philippe Rousselot) “Dracula” de 1992 (fotografia de Michael Ballhaus) e tantos tantos outros nunca seriam tão visualmente impressivos sem o contributo dos seus directores de imagem.

A Robert Burks, fica ligada a qualidade técnica da fotografia de alguns dos grandes fimes de Hitchcock. Curiosamente, fez há dois dias 40 anos que ele morreu. Num terrível incêndio. No dia 13 de Maio de 1968 – dia de Nossa Senhora de Fátima cuja história ele deve ter conhecido bem durante o trabalho referido (de 1952).

Na filmografia de Hitchcock gosto de nomear o ano de 1955 como o ano da felicidade das cores vivas, intensas, e alegres. Seja nas luzes brilhantes do rebentar dos foguetes em “Ladrão de Casaca” ou nos bosques densos do “Terceiro Tiro”. Seja no azul do mar das praias monegascas ou nas telas que Sam Marlowe (John Forsythe) pintava. Seja até nas peúgas coloridas do Harry, esse morto que apareceu estendido no ambiente pacífico do campo.