Claro que me refiro a “Ladrão de Casaca” e “Terceiro Tiro”. Filmes com imagens de grande beleza cinematográfica e artística. O primeiro recebeu o Óscar para Melhor Fotografia – foi o único filme de Hitchcock a receber um óscar nessa categoria. O segundo enquadra uma trama «deliciosamente» macabra nas paisagens idílicas da Nova Inglaterra.
Nem importa que o suspense neste ano de 1955 não fosse de colar o espectador à cadeira. Parece que Hitchcock buscava inspiração num outro tipo de imagens – horizontes de paz, bosques esverdeados quase que aparentemente pintados numa tela (sem parecerem nada artificiais).
Naquele ano, Hitchcock parecia inclinado a criar cinema mais ligeiro e particularmente belo ao olhar. Podemos constatar que “Ladrão de Casaca” é uma moderada desilusão. Enquanto “Terceiro Tiro” surge como uma inteligente e bem tecida ironia mas não oferece ao hitchcockiano comum aquilo que ele mais aprecia.
Críticas feitas aos filmes, o poder da fotografia a cores (bem intensa nas duas obras) resulta como um dos mais belos trunfos do cinema de Hitchcock naquele ano de 1955. “Terceiro Tiro” é um exemplo cinematográfico mais equilibrado do que Ladrão de Casaca”. Em todos os aspectos sem excepção.
“Ladrão de Casaca” reúne um par mítico de actores: Cary Grant e Grace Kelly. Mas nem o «glamour» das estrelas nem a paisagem paradisíaca das praias do Mónaco, emprestam ao filme o impacto emocional suficiente. Se esse impacto não foi procurado, Hitchcock quereria pelo menos fazer ali um filme divertido - e só atingiu esse propósito de modo parcial e desequilibrado.
“Terceiro Tiro” parte, pelo contrário, de um argumento bastante inspirado e que é desenvolvido por um grupo de actores que soube emprestar àquela trama humana toda a graça e naturalidade que eram necessárias.
A fotografia de “The Trouble with Harry” é quase perfeita. Em “To Catch a Thief”, há trabalhos de montagem menos geniais. Refiro-me às cenas em que os protagonistas passeiam de carro. Era comum filmar os actores num cenário e depois fazer passar imagens por detrás deles. O truque poupava o esforço de filmar os intérpretes num carro em movimento mas nem sempre resultava na perfeição. Aos olhos dos jovens dos nossos dias, habituados ao nível da qualidade técnica contemporânea, certos defeitos parecem crassos e por isso lhes apetecerá dizer: «Vê-se mesmo que é uma montagem!»
Nestes âmbitos da Fotografia no universo hitchcockiano, parece incontornável referir o nome de um grande técnico, Robert Burks, que trabalhou em 12 filmes do realizador e foi responsável por desempenhos notáveis. Burks fazia parte da grande equipa que trabalhou com Hitchcock na época áurea da sua carreira.
Em 1951, foi o brilhante director de fotografia de “Desconhecido do Norte-Expresso”. Depois, foi sempre aceitando propostas diferenciadas do cineasta inglês. Umas exigiam imagens reais, cruas e quase documentais – como “Falso Culpado” ( 1957) ou “Confesso” (1952). Outras careciam de um tipo de imagem mais estilizada – como “Janela Indiscreta” (1954) que se passava num cenário fechado e clautrofóbico ou “Vertigo” (1958) que vivia de imagens oníricas, nubladas, às vezes captadas em espaços amplos e muito abertos.
Em tudo aquilo em que colaborou com Hitchcock, Robert Burks respondeu com o melhor de si. E nunca desiludiu em aspecto algum.
Em “Chamada para a Morte”, usou uma cor densa naquilo que pode ser considerado uma peça filmada em termos cinematográficos. As imagens do filme foram depois trabalhadas para serem projectadas segundo o processo tecnológico das 3 dimensões. Na cena do ataque a Grace Kelly, o pormenor da tesoura era particularmente evidenciado.
Em “O Homem Que Sabia Demais” (1956) e “Intriga Internacional”, a riqueza de certos decors era captada com o auxílio de Robert Burks. A “O Falso Culpado” (1957), foi impressa a autenticidade de um documento quase jornalístico.
Robert Burks também trabalhou em “Marnie” e “Os Pássaros”. Curiosamente, ele era um mestre na área específica dos efeitos especiais. Trabalhou num filme americano sobre o milagre de Fátima – “The Miracle of Our Lady of Fatima” (1952) mas também no mesmo domínio em “Key Largo” (1948) de John Huston, “The Woman in White” (1948) de Peter Godfrey feito a partir de um dos meus romances clássicos preferidos, “The Big Sleep” (1946) de Howard Hawks e “Arsenic and Old Lace” (1944) de Frank Capra.
O trabalho de Robert Burks como o de qualquer outro grande director de fotografia enriquece a arte de todo o tipo de cineastas. Aos que não têm ideias nem talento, empresta alguma magia visual. Àqueles que são mestres na realização, oferece tudo aquilo que lhes é pedido, apela a sugestões significativas e responde para além daquilo que é inicialmente proposto.
Filmes como “Apocalipse Now” (fotografia de Vittorio Storaro), “Niagara” (fotografia de Joseph MacDonald), “2001 – Odisseia no Espaço” (fotografia de Geoffrey Unsworth), “Taxi Driver” (fotografia de Michael Chapman), “Big Fish” (fotografia de Philippe Rousselot) “Dracula” de 1992 (fotografia de Michael Ballhaus) e tantos tantos outros nunca seriam tão visualmente impressivos sem o contributo dos seus directores de imagem.
A Robert Burks, fica ligada a qualidade técnica da fotografia de alguns dos grandes fimes de Hitchcock. Curiosamente, fez há dois dias 40 anos que ele morreu. Num terrível incêndio. No dia 13 de Maio de 1968 – dia de Nossa Senhora de Fátima cuja história ele deve ter conhecido bem durante o trabalho referido (de 1952).
Na filmografia de Hitchcock gosto de nomear o ano de 1955 como o ano da felicidade das cores vivas, intensas, e alegres. Seja nas luzes brilhantes do rebentar dos foguetes em “Ladrão de Casaca” ou nos bosques densos do “Terceiro Tiro”. Seja no azul do mar das praias monegascas ou nas telas que Sam Marlowe (John Forsythe) pintava. Seja até nas peúgas coloridas do Harry, esse morto que apareceu estendido no ambiente pacífico do campo.