quinta-feira, agosto 14, 2008

DIRECTED BY ALFRED HITCHCOCK


«Na vida, se soubéssemos as consequências de cada coisa, o entusiasmo perderia a razão de ser. Que piada teria ir a um jogo de basebol, se já soubéssemos que equipa ia vencer? Para quê ir pescar se já se sabia de antemão se haveria pesca (ou não)? O desconhecido tem apelo precisamente porque é misterioso. (…) Como vivemos, o problema é nosso. Podemos fazê-lo num constante estado de ansiedade quanto ao futuro, sempre com medo de que no final os maus vençam, a injustiça triunfe e a humanidade se destrua. Ou poderemos usar a dádiva (de não conhecer o futuro) criativamente; ajudar homens de boa vontade a ganhar, ajudar a justiça a triunfar e acreditar que o drama humano deve ter um final feliz. O melhor do futuro é que vem para nós, um dia de cada vez.»
Alfred Hitchcock

É frequentemente difícil proferir conclusões no final de um longo discurso. Especialmente quando conversamos intuitivamente sem procurar uma ordem coerente para o encadeamento dos diferentes argumentos. O que se apresenta neste blog que hoje termina são oitenta comentários distintos que incidem sobre temáticas diferentes expostas segundo uma ordenação arbitrária. Na verdade, só existem dois elementos comuns a todos estes comentários: o Mestre Hitchcock e eu mesmo.

Por esse motivo, é complicado encontrar uma ideia que confira sentido a esta sucessão de reflexões. O que procurei sempre (até à última linha) foi escrever aqui com sinceridade. Como referi antes, de um modo poético e quase surrealista, procurei ver a minha vida e tudo o que me rodeia pelas lentes das câmaras dos filmes de Hitchcock, pelo olhar que emanava deles. Tentei fazer das minhas percepções um ponto de partida para a compreensão do cinema de Hitch.

Cheguei a comparar-me a esse homem a quem chamo às vezes Alfred Joseph – chamo-lhe assim quando identifico o lado dele que me é mais familiar. O da sua timidez e do seu desejo de aceitação pelos outros; o da sua insegurança em relação às suas certezas e da sua necessidade (que lhe era vital) de ter junto de si os que mais amava no mundo – em particular, a sua esposa Alma Reville, cuja morte ele nem queria conceber e cuja doença cardíaca antecipou o seu próprio declínio pessoal.

Alfred Joseph e eu. Aquele sobre quem escrevi e aquele que debitou comentários dispersos sobre a Vida, o Cinema e o Suspense – segundo diz o lema do blog.

Tentei provar aqui que o universo de Hitchcock engloba muito mais do que o patamar do «suspense». O suspense será como que a nuvem mais visível e expressiva num céu onde também se pode ver o Sol, a Lua, nuvens mais pequenas e até um pequeno aeroplano que passa momentaneamente.
O Cinema de Hitchcock não é só suspense. Não é tão linear nem tão simplista assim. Procurei mostrar diferentes perspectivas e valores na filmografia de Hitch. Mas muito ficou por escrever…

Desde Junho de 2005, tenho escrito para este espaço, respondendo ao desafio de dissertar sobre temáticas específicas intuitivamente definidas por mim. No termo de tantos meses de escrita, confesso que nunca li atentamente o que deixei para trás. Agora, no derradeiro comentário, apresenta-se-me abusivamente uma questão desconcertante: como devo terminar o blog?

Primeiramente, é meu dever explicar porque é este o meu último texto para o «EU, HITCHCOCKIANO, ME CONFESSO». Na verdade, considero que neste nosso pequeno mundo, tudo deve ser planeado e previsto mediante cenários salutares. Planear implica antever as dificuldades e agir a priori contra elas.

Não disponho do tempo necessário para desenvolver este blog de um modo mais dinâmico (quer em termos informáticos, quer principalmente em termos da expansão dos conteúdos). Esta realidade é incontornável e não é meu desejo transformar o prazer da escrita sobre Cinema numa rotina desagradável que é respeitada por obrigação moral.

Continuarei a escrever. Gerindo o tempo livre do melhor modo possível. O Hitchcock nunca poderá ser esquecido por mim. Estou a terminar um livro sobre filmes. E encontro-me na fase conclusiva de um romance e de um livro de contos. A escrita é para mim uma fonte de entretenimento e uma criação dinâmica. Nunca deverá ser vista de outra forma. Confesso, no entanto, que termino este blog com alguma mágoa. Mágoa que não poderei ignorar nem negar.

Hoje é dia 13 de Agosto. Alfred Hitchcock faria hoje anos e parece-me simpático encerrar esta iniciativa no dia do calendário em que tudo começou. Exactamente há 109 anos. Defini esta data para o fim do blog há vários meses. Ainda que possamos ser escravos dos planeamentos – e do desejo de uma vida onde tudo decorre como é previsto – nada nos pode libertar das imprevisibilidades. Como a Morte. Ou a Doença. Ou a decadência das capacidades físicas – essa mesma que impediu Hitchcock de terminar o seu último projecto: «The Short Night» baseado num romance de Ronald Kirkbridge.

Como já escrevi algures, com o Hitchcock aprendi a interessar-me verdadeiramente pelo aspecto técnico dos filmes e por reflectir sobre o valor intrínseco e extrínseco de cada obra cinematográfica. Tudo começou para mim em 1985. Numa pequena sala de cinema de Lisboa onde descobri «Janela Indiscreta». Hitchcock já estava morto mas começou então a marcar-me. Por isso, nunca ninguém pode ter a certeza de nada. Mesmos mortos, os seres humanos têm um poder imprevisível. Daí o fascínio de todos os mistérios, de todos os enigmas que não compreendemos nem podemos conhecer. A Vida, a Morte e o Futuro.



terça-feira, agosto 12, 2008

EM MEMÓRIA


Nos passos finais do percurso que me levou a reflectir sobre o cinema de Hitchcock durante mais de 150 semanas, parece-me pertinente não deixar de nomear um número específico de pessoas. São as personalidades do universo de Alfred Hitchcock que faleceram entre Junho de 2005 e Agosto de 2008, o período em que este blog esteve activo.

Estão aqui 25 nomes mas outros, hitchcockianamente importantes, terão morrido enquanto este blog progredia no seu passo lento, aparentemente apático mas profundamente consciente.

Para todos eles, porque cada um ofereceu o seu contributo próprio aqui fica a minha homenagem.

BARBARA BEL GEDDES – Faleceu a 8 de Agosto de 2005 e fiz referência directa ao seu desaparecimento no comentário daquela semana. Representou um sensibilizante papel em «Vertigo» encarnando a mulher simples e pouco sensual, apaixonada pelo protagonista.
Era uma actriz sóbria e convincente. A sua presença, pelo que tem de transparente e verdadeiro, opõe-se à de Kim Novak com todo o seu misticismo e magnetismo desconcertante.
O papel de Midge era perfeito para ela. E ela nunca se importou em oferecer autenticidade ao seu papel mesmo que isso significasse ter uma presença mais discreta e muito menos «glamourosa».
Hitchcock sempre gostou de a ver trabalhar. Barbara Bel Geddes também brilhou na série «Alfred Hitchcock Apresenta», nomeadamente num episódio da 3ª temporada («Lamb To The Slaughter») em que mata o marido e oferece aos polícias, como jantar, a arma do crime: uma perna de carneiro.

HENRY BUMSTEAD faleceu a 24 de Maio de 2006. Era um veterano «production designer» (decorador) que trabalhou durante décadas em Hollywood, com grandes cineastas e em grandes filmes.
O papel de um «production designer» passa pelo estudo, decoração e tratamento dos espaços onde as filmagens decorrem. Na procura da autenticidade ou do espírito que se quer imprimir ao filme. É um trabalho de pesquisa, de adequação dos cenários e dos locais reais aos contextos de cada argumento.
Bumstead ganhou Óscares por «To Kill a Mockingbird» (1962) e por «A Golpada» (1973). A sua longa associação a Clint Eastwood levou-o a trabalhar repetidas vezes para ele, nomeadamente em «Imperdoável» (1992), «Mystic River» (2003), «Million Dollar Baby» (2004), «Flags of Our Fathers» (2006) e «Letters from Iwo Jima» (2006). Pelo seu brilhante trabalho em «Vertigo» (1958), também obteve uma nomeação para um Óscar. Trabalhou numa produção absolutamente miserável chamada «Psico III» (que como o nome indica é uma segunda sequela do filme de Hitch).
Bumstead contava como havia percorrido inúmeras ruas de S. Francisco em busca dos locais ideais para as cenas de «Vertigo». Hitchcock sempre gostou do seu arguto poder de observação.
Morreu com 91 anos. Participou em mais de cem filmes. Para Hitchcock também trabalhou em «O Homem Que Sabia Demais» (1956), «Topázio» (1969) e «Intriga em Família» (1976).

LARAINE DAY morreu a 10 de Novembro de 2007. Nunca foi uma estrela maior até porque, quando vinculada à MGM, era remetida para papéis desinteressantes. Alfred Hitchcock parece que gostou dela e pediu-a emprestada àquele estúdio para interpretar a protagonista de «Correspondente de Guerra» (1940) ao lado de Joel McCrea.
Laraine Day trabalhou com Cary Grant, Gary Cooper, John Wayne ou Spencer Tracy mas permaneceu muito ligada ao seu desempenho em sete filmes do personagem Dr. Kildare. (Os filmes protagonizados por Lew Ayres deram origem a uma famosa série dos anos 60 com Roger Moore). Laraine Day morreu com 87 anos.

HANSJÖRG FELMY faleceu a 24 de Agosto de 2007 (com 76 anos). Era um veterano actor alemão. Em «Cortina Rasgada» (1966), filme onde participam vários actores muito competentes em papéis secundários, fez o papel do sinistro Gerhard. É ele que acolhe Paul Newman e Julie Andrews em Berlim Leste; e é ele mesmo que os persegue na cena final, no espectáculo de Ópera. O elenco de «Cortina Rasgada» é um dos maiores trunfos do filme. Hansjörg Felmy é, a seu modo, quase tão temível e perturbante como Gromek – o homem morto de modo macabro a meio da narrativa.

PETER HANDFORD faleceu a 6 de Novembro de 2007. Era um veterano técnico de som. No seu extenso currículo, estão «África Minha» (1985), «Tom Jones» (1963), «Crime no Expresso do Oriente» (1974) e «Ligações Perigosas» (1988).
Para Hitchcock, trabalhou em «Sob o Signo do Capricórnio» (1949) e «Frenzy» (1972). Sempre se referia a Hitchcock como muito metódico, quase exageradamente escravo dos seus planeamentos.

TEDDY INFUHR teve um desempenho curto mas simbólico no cinema de Hitchcock. Era o miúdo acidentalmente morto pelo irmão em «Casa Encantada» (1945). Numa cena muito pequena mas determinante. No filme de Hitchcock, não chega a dizer uma palavra. Mas depois participou em muitos filmes, alguns deles de grande qualidade e fama. Como «Os Melhores Anos das Nossas Vidas» (1946), «O Rapaz do Cabelo Verde» (1948) e «Sementes de Violência» (1955).
Morreu a 12 de Maio de 2007, com 70 anos.

CLAUDE JADE era uma actriz que François Truffaut descreveu a Hitchcock como sendo de algum modo parecida com Grace Kelly. Em «Topázio», representou o papel da filha ansiosa de um agente secreto francês. Faleceu a 1 de Dezembro de 2006. Com 58 anos de idade. Nunca veio a ser uma loira glacial de Hitchcock – como Tippi Hedren ou Kim Novak – mas podia ter sido.

LLOYD LAMBLE morreu com 94 anos, a 10 de Abril deste ano. Era um grande actor secundário do cinema britânico. Na verdade, era australiano e diz-se que deixou o seu país depois de ter sido associado ao comunismo. Fez um pequeno papel em «O Homem Que Sabia Demais» (1956).

EVAN HUNTER foi o argumentista de «Os Pássaros». Era um célebre escritor de livros policiais que assinava também como o nome Ed McBain. Trabalhou muito no argumento de «Marnie» mas discordava de Hitchcock em relação à cena em que Sean Connery se deita abusivamente com Tippi Hedren. Hunter considerava a cena indecorosa e antipática. E no seu entender, o público não gostaria dela. Acabou abandonando o projecto.

PHILIPPE NOIRET era um grande actor francês. Brilhou em «Cinema Paraíso» (1988) e em «O Carteiro de Pablo Neruda» (1994). Era versátil e participou em imensos filmes. Integrou o elenco de «Topázio», ao lado de outro actor francês, Michel Piccoli.

JOSEPH PEVNEY dirigiu 5 episódios da série «The Alfred Hitchcock Hour». Era um realizador veterano na área da Televisão. Trabalhou em «Casei com uma Feiticeira» e foi um emblemático director de episódios do «Caminho das Estrelas». Faleceu no passado dia 18 de Maio, com 97 anos.

SUZANNE PLESHETTE foi a professora de «Os Pássaros». Era uma actriz morena e atraente. A sua participação num episódio de «Alfred Hitchcock Apresenta» atraiu a atenção do público e de pessoas influentes. Nunca foi uma estrela maior de Hollywood mas a sua presença nos filmes era convincente e sincera. Morreu no passado dia 19 de Janeiro. Com 70 anos – vítima de um cancro num pulmão. Curiosamente, em «Os Pássaros», vemo-la fumar compulsivamente.

LEONARD ROSENMAN compôs música para «The Alfred Hitchcock Hour» nos anos 1964/65. E também para a clássica série «The Twilight Zone». Também compôs para Cinema. Morreu no passado dia 4 de Março, com 83 anos.

PETER GRAHAM SCOTT foi um notável produtor, realizador, editor de imagem e argumentista. Dizem que foi responsável por levar Diana Rigg ao papel da sedutora Sra. Emma Peel em «Os Vingadores» – série clássica dos anos 60. A título de curiosidade, registe-se que Scott interpretou um pequeno papel em «Jovem e Inocente» (1937) de Hitchcock. Tinha então 13 anos. Morreu a 5 de Agosto de 2007, com 83 anos.

JOSEPH STEPHANO foi o argumentista de «Psico». O homem que adaptou o romance de Robert Bloch (inspirado num caso verídico) para o universo cinematográfico de Hitchcock. Morreu com 84 anos, a 25 de Agosto de 2006.
Prestou depoimentos extensos sobre o seu trabalho para Hitchcock e é pontualmente difícil discernir se certas particularidades da história de «Psico» foram criação sua ou resultado do génio imaginativo de Hitchcock. Certo é que foi responsável pela enorme dimensão humana dos personagens do filme.

GEORGE TABORI, dramaturgo e encenador, foi o argumentista de “Confesso” (1952). Morreu a 23 de Julho de 2007. Com 93 anos. A história de «I Confess» é muito interessante no contexto das temáticas hitchcockianas: conjuga suspense, crime, culpa e religião, quatro temáticas importantes na personalidade do Mestre. O resultado final é negro e pontualmente morno mas relevante.

JAY PRESSON ALLEN foi a argumentista de «Marnie». Substituiu Evan Hunter quando este abandonou a produção do filme. Era uma notável adaptadora de livros e de peças teatrais para Cinema. Concebeu o argumento cinematográfico de «Cabaret» (1972) com Liza Minelli e também o de «Princípe da Cidade» (1980) do realizador Sidney Lumet.
«Marnie» foi o seu primeiro argumento. A segunda metade do filme é, na minha opinião, decepcionante. Mas a culpa pelas falhas do filme não terá sido exclusivamente da argumentista. A história partia de um livro e Hitchcock parecia saber muito bem como a contar. Ainda que o suspense falhe rotundamente. E aquele conceito de Psicanálise soe a uma série de teorias simplistas e primárias. Felizmente, «Marnie» tem uma bela fotografia e uma grande banda sonora.

ERNEST LEHMAN foi o brilhante argumentista de «Intriga Internacional» (1959). Era um homem que sabia conjugar a emoção das histórias com a humanidade dos personagens. Era versátil e pegava em trabalhos completamente distintos; como «Música No Coração» (1965) e «Quem Tem Medo de Virginia Wolf» (1966).
Hitchcock gostava muito de Lehman. O sucesso de «Intriga Internacional» (com a sua teia trepidante de acontecimentos narrativos) levou o Mestre a convidá-lo depois a escrever o argumento do seu derradeiro filme, «Intriga em Família» (1976).

PATRICK ALLEN morreu com 79 anos, a 28 de Julho de 2006. Foi detective em «Chamada Para a Morte» (1954), ao lado de John Williams. Era particularmente conhecido pela sua voz, a voz que emprestou durante mais de trinta anos a trailers publicitários.

RAY EVANS partilhava os créditos de composição musical com Jay Livingston. Juntos escreveram mais de 400 canções, num longo espaço de 64 anos. O maior sucesso deles terá sido «Que Será Será» importalizado por Doris Day em «O Homem Que Sabia Demais» (1956). A canção tinha uma função estratégica no filme e converteu-se num sucesso mundial. Foi também galardoada com o Óscar.
«Monalisa» foi outro enorme êxito da dupla. Ouvimo-la em «Janela Indiscreta» embora não tenha sido composta para esse filme. Para «Cortina Rasgada», foi concebida uma canção de Evans e de Livingston. Tinha um carácter promocional. O tema está incluído no CD com a banda sonora de John Addison. (Mas curiosamente não é cantado por Julie Andrews, a estrela do filme, nem ninguém considerou essa hipótese.)

ALIDA VALLI foi a protagonista de «O Caso Paradine» (1947). Era muito bela e emprestou dignidade e mistério ao papel da jovem e distinta mulher acusada de um crime. Hitchcock não se entendeu muito bem com ela porque Valli lhe havia sido imposta pelos produtores. Ninguém gosta de imposições. Muito menos gostava Hitchcock.
Alida Valli trabalhou com Visconti, Antonioni, Pasolini e Bertolucci. Era uma estrela maior do cinema italiano. Morreu com 84 anos, a 22 de Abril de 2006.

ROSCOE LEE BROWNE era actor e compôs seis décadas de versatilidade interpretativa. Em «Topázio», era um espião que trabalhava publicamente como florista. Morreu a 11 de Abril de 2007. Com 81 anos.

WILLIAM TUTTLE era um perito em maquilhagem e caracterização. Foi chefe do departamento daquela área, na MGM, entre 1950 e 1969. Para Hitchcock, trabalhou em «Intriga Internacional». Participou em mais de 300 filmes, alguns deles clássicos imortais: «Gata em Telhado de Zinco Quente» (1958), «Show Boat» (1951) ou «Serenata à Chuva» (1952) entre muitos outros…
Morreu com 95 anos, a 27 de Julho de 2007.

PETER VIERTEL escreveu o argumento de um grande filme de espionagem e acção do Mestre Hitchcock: «Sabotagem» (1942). Aquele que termina com o vilão suspenso das alturas da Estátua da Liberdade. Escreveu também o argumento de «A Rainha Africana» (1951) de John Huston.

JANE WYMAN faleceu a 10 de Setembro de 2007, com cerca de 90 anos. A actriz foi protagonista de «Pavor nos Bastidores» (1950) mas acabou sendo encoberta pela presença de Marlene Dietrich. Um dos seus maiores desempenhos foi o de «Belinda – A Escrava do Silêncio». Nesse filme, vestia a pele de uma surda-muda incapaz de explicar que a sua gravidez era resultado de uma violação. O papel levou-a à conquista do Óscar em 1948.
«Pavor nos Bastidores» é um filme menor de Hitchcock e o papel de Jane Wyman tem pouco de atractivo a priori e a posteriori. O grande sucesso, encontrou-o ela em melodramas do cineasta Douglas Sirk.

quinta-feira, agosto 07, 2008

HITCHCOCK E O NAZISMO





Cerca de uma década antes de surgir a sua primeira série televisiva (com episódios autónomos de menos de trinta minutos), Alfred Hitchcock viveu uma experiência particular. Em 1944, concordou realizar dois pequenos filmes de carácter propagandístico e em apoio aos heróis e às vítimas da 2ª Guerra Mundial. Pequenos filmes com cerca de meia hora, cada um. Constituiram uma importante incursão de Hitchcock na narrativa cinematográfica de histórias de curta duração.

Na época, Hitchcock já se tinha mudado para os Estados Unidos onde trabalhava para o produtor David O Selznick. Encontrava-se a cimentar o desenvolvimento da ideia de “A Casa Encantada” quando aceitou vir propositadamente à Europa para realizar «Boa Viagem» e «Aventura Malgaxe». Em Janeiro e Fevereiro de 1944, Hitchcock encontrou-se de volta ao seu país natal.

Aqueles dois filmes produzidos em Inglaterra, com a participação e o contributo directo de actores e técnicos de língua francesa, serviriam potencialmente de promoção de um certo espírito anti-belicista e anti-nazi ou quem sabe para enaltecimento dos heróis de guerra dos países aliados.

De facto, Hitchcock admitiu. Era demasiado gordo e velho para se alistar nos exércitos das frentes de batalha. Mas poderia combater na guerra, usando as suas próprias armas: os instrumentos que faziam dele um hábil e famoso cineasta.

O resultado final não é tão propagandístico quanto isso. As duas curtas-metragens que foram já editadas em DVD (e que passaram num programa de Catarina Portas no canal 2 da RTP há poucos anos) parecem mais histórias de aventuras, espionagem e traição. Não encontro nelas, claras mensagens políticas.

«Boa Viagem» é um filme mais interessante. A sua história é narrada mediante flashbacks que reconstituem os acontecimentos tal e qual como peças de um puzzle. A ideia da personagem sósia (que não é quem julgávamos que fosse) foi muito trabalhada no cinema de Hitchcock. No final, a sucessão dos acontecimentos é revista e verificamos que tudo o que sucedeu só obteve concretização a partir de um plano meticulosamente preparado. Tal como noutros enredos tipicamente hitchcockianos.

A morte chocante da jovem vítima da resistência é possivelmente o momento mais intenso da história. Quase que parece anteceder o frio assassinato de Juanita num outro filme muito político que Hitchcock viria a realizar no contexto cubano, «Topázio» (1969).

A verdade é que se Hitchcock procurava veicular uma mensagem sociológica ou anti-nazi nos dois pequenos filmes de 1944, o seu intuito surge dissimulado ou esbatido. Parece antes que o realizador trabalhou aqui histórias de espionagem num registo de entretenimento próximo do de qualquer filme seu do género. Explorando o dramatismo das situações e deliciando-se a narrar os acontecimentos mediante jogos de aparências.

Neste universo, os espiões e os contra-espiões representam os seus papéis (tal e qual como actores) no desejo de adoptar uma identidade falsa que os fará ludibriar a acção dos inimigos. No caso de «Aventura Malgaxe», há uma confrontação entre o mundo dos espiões num palco de guerra mundial e o camarim dos actores de uma companhia teatral. Afinal, um espião é um actor. Engana, dissimula, representa um papel que não corresponde ao da sua identidade própria.

Enquanto contasse histórias de espiões, Hitchcock estava no seu campo de batalha próprio. Era senhor desse campo de batalha. De modo espontâneo e porque o tempo o firmou como mestre desse tipo de histórias.

Resta apenas apurar se o esforço de produção e realização destas obras terá sido meritório e proveitoso, na medida em que, durante décadas, poucos espectadores as viram e hoje, mais de sessenta anos depois, nada de muito engenhoso ou emocionante sobressai delas. Foram esquecidas no tempo e não brilham nos nossos dias pela sua excelência nem pela sua genialidade ímpar. São antes documentos históricos, feitos numa época precisa por um homem influente.

As duas curtas-metragens de 1944 não parecem funcionar como filmes de propaganda onde tudo é simples e directo. Pelo contrário, nestes filmes há uma visão ambígua dos personagens que não ajuda a veiculação de uma mensagem evidente e sem meios-termos.

O mesmo não se poderá dizer do documentário com imagens reais retiradas de campos de concentração nazis e que Hitchcock editou. Chamam-lhe o filme de Hitchcock sobre o Holocausto. O produtor Sidney Bernstein (amigo pessoal de Hitchcock e que produziria mais tarde para ele «A Corda» (1948) e «Sob o Signo do Capricórnio» (1949)) trabalhava então para o governo britânico. O Ministério da Informação foi incumbido de produzir um documento que apresentasse filmagens nos campos, imediatamente após a Libertação, em 1945.

O resultado traduziu-se em centenas de milhares de metros de filme; imagens captadas directamente de cerca de 5000 campos. O propósito era criar um relato objectivo, cru e sem artificialismos, que fosse suficientemente poderoso para alertar as pessoas para os métodos de terror usados pela política nazi.

Aquelas imagens eram de uma violência extrema. Alertavam para a estupidez da ideologia nazi e para a perversão da maldade humana. Seria inconveniente mostrá-las. Mas o governo britânico e os técnicos do filme não procuravam meias verdades. Enquanto denunciassem a extensão da tragédia, poderiam também mostrar àqueles que lutaram contra a Alemanha que a sua luta fôra importante. E que cenários daqueles nunca mais se deveriam repetir.

Havia todo o interesse em levar aquelas filmagens à população alemã para que tomasse consciência plena das atrocidades levadas a cabo pelo governo de Hitler e pela sua ideologia macabra.

Sidney Bernstein chamou Hitchcock para que este montasse as imagens. Procurava alguém que fosse capaz de provar a autenticidade daqueles cenários tenebrosos, que mais pareciam o resultado delirante de uma mente enlouquecida.

Hitchcock procurou mostrar planos amplos que mostrassem que não havia artificialismos nem truques baratos naquelas imagens. Os corpos dos mortos misturavam-se com o da gente viva. Mortos e vivos nus, privados de toda a dignidade humana. Homens, mulheres e crianças tratados como lixo.

O documento, tal como foi editado, permaneceu oculto durante quarenta anos. Parecia particularmente difícil mostrá-lo às audiências. Viviam-se os meses do pós-guerra e ninguém queria arriscar sensações perigosas ou sentimentos de revolta. Os cinemas convidavam as plateias para entretenimentos que causassem alegria, esperança ou riso. As memórias dos campos de concentração filmadas pelos técnicos do governo britânico acabaram armazenadas num armário. Mais precisamente, nos arquivos do Imperial War Museum, em Londres.

Em 1985, o filme montado passou na televisão britânica com o nome «A Painful Reminder». Anos depois apareceu em DVD com o título «Memórias dos Campos» (no original «Memory of The Camps»). Agora pode ser visto na Internet.
Trata-se de um filme que envolve o trabalho de vários operadores de câmara, técnicos e profissionais do cinema. Uma obra que apresenta uma orientação definida e comentada por um discurso em «voz-off». O actor Trevor Howard lê o guião que fora concebido por Sidney Bernstein e seus colaboradores.

Agora as «memórias dos campos» podem ser visitadas por toda a gente. Este é um documento brutal e que exige alguma preparação por parte do espectador. Tal como os seus mentores pretenderam fazer dele, é um registo que nos mostra sem delicadezas os horrores do Holocausto levados a um extremo inconcebível. Nunca em nada que Hitchcock tivesse feito, a maldade, a insensatez e a perversão humana haviam sido tão claramente mostrados.
Pela primeira vez, Hitchcock editava imagens reais. A verdade acerca dos campos de concentração deixou-o deprimido e impressionado. O seu contributo para o filme foi importante. Mas raramente ele falava deste projecto. O assunto era demasiado delicado. E monstruoso.

(1945, 53 minutos; Hitchcock é creditado como técnico editor)