quinta-feira, dezembro 13, 2007

HITCHCOCK: O MELHOR REALIZADOR DE TODOS OS TEMPOS?


É recorrente os meus amigos lembrarem-se de mim quando ouvem menções ao Hitchcock. Na verdade, o hitchcockianismo que começou sendo para mim o cultivo do fascínio por uma cinematografia, desenvolveu-se como fonte de descoberta do Cinema em geral e até como estrutura sólida para alguma da minha escrita de ficção. E converteu-se num «hobby» simpático e prazenteiro traduzido em reflexões ponderadas na esplanada de um café. Em escritas descontraídas num banco de jardim ou num local soalheiro.

O hitchcockianismo é tudo isso. Ver o Cinema de Hitchcock. Pensar nos filmes a partir das lentes da câmara de filmar de Hitchcock. Escrever e divagar, contar factos verdadeiros e ficcionados, sempre com a herança de uma cultura cinematográfica e literária já recebida.

E o hitchcockianismo manifesta-se também quando os nossos amigos se lembram de nós perante uma imagem ou fotografia, um livro ou uma revista.

Há algumas semanas, fui beber um café com dois amigos cinéfilos. Não costumo precisar de companhia dentro da sala de cinema. Como se o filme que vou ver fosse sempre um assunto particular entre mim e o cineasta que o fez. Vejo melhor os filmes num estado de isolamento moderado (pelo menos se nunca os vi antes). Mas gosto muito de conversar com quem tenha alguma cultura cinematográfica. E um dos mais interessantes ingredientes da cinefilia é a fonte de conversas que gera entre pessoas que gostam de filmes. O convívio, a comunicação, a troca de percepções e de factos concretos…

Naquela noite, um dos meus companheiros de cinefilia entregou-me um jornal. Havia-o guardado para mim. Era um exemplar (de uma edição de Setembro passado) do jornal gratuito «Metro». Na primeira página, estava uma imagem de Hitchcock. E no interior, um pequeno artigo de conteúdo polémico e pouco notável.

Em letras não muito pequenas ali estava destacado: «Hitchcock bate a concorrência e é eleito o melhor realizador de todos os tempos.» Li o artigo e depois fui à Internet tentar perceber os moldes da estatística publicada na popular revista britânica «Total Film». Tratava-se de um inquérito feito aos críticos e leitores da publicação. Alfred Hitchcock terá sido o realizador mais vezes nomeado para melhor cineasta de sempre.

Por momentos, pareceu-me pertinente reflectir sobre a possibilidade do Mestre do Suspense ser percepcionado dessa forma majestosa. Mas a ideia não bate certo. Porque nenhum realizador pode receber tal estatuto sem que muita subjectividade esteja anexa à ideia.

Não é comum encontrar Hitchcock no topo da lista dos melhores cineastas da História dos filmes. Mas é costume deparar com o seu nome na lista dos 5 ou 10 realizadores mais relevantes. A razão parece-me clara: Hitchcock está rigidamente ligado a um tipo específico de histórias – narrativas de crime e de suspense. É difícil especular se ele seria um bom realizador no âmbito de filmes de outros géneros. Ele dirigia bem os actores (quando se sentia bem com eles). Tinha vocação natural para a comédia e para o esboço de traços de humor negro. Sabia retratar o Amor e os sentimentos românticos. Mas invariavelmente os seus filmes são arrumados numa prateleira determinada.

Os filmes que fazia eram os que lhe ofereciam prazer. Não se esperava dele o “Há Lodo no Cais” (1954), “O Apartamento” (1960), “O Padrinho” (1973), “Música no Coração” (1965), “Cleópatra” (1963) ou "Easy Rider" (1969). Nem ele procurava histórias diferentes das do seu padrão habitual, nem as pessoas esperavam isso dele. Essa força com um poder duplamente incisivo delineou Hitchcock como o Mestre num estilo específico de histórias.

Um processo semelhante não ocorreu com John Ford ou com Orson Welles. Estes realizadores maiores da História do Cinema debateram temáticas sociologicamente relevantes nas suas obras. Repare-se que Ford é o cineasta-mestre dos westerns. Mas algumas das suas melhores obras como “O Informador”, “As Vinhas da Ira” ou “O Vale era Verde” nem se enquadravam de modo algum no Oeste dos cowboys.

Hitchcock, o melhor cineasta de todos os tempos? Não gosto desse tipo de apreciações relativas. No concurso (incrivelmente subjectivo), “Os 100 Melhores Britânicos de Todos os Tempos”, Hitchcock não consta na lista final – ao contrário de Charlie Chaplin. A dúvida que esta iniciativa me suscita é: o que é que faz uma personalidade ser nomeada? A sua popularidade, o seu impacto ou o seu talento e carisma?

Estas questões são sempre subjectivas e nunca unânimes. O Cinema é uma arte. Os Óscares, os Emmys e os Globos de Ouro nunca podem ter um valor absoluto. Mas Hitchcock permanece um dos cineastas mais populares do mundo. Porque os filmes dele continuam a divertir as pessoas e o público procura sempre entretenimento. Hitchcock retratou o crime e o medo de um modo particular. E ao fazê-lo, retratou-se a si mesmo, às suas obsessões e interesses.

De resto, cada pessoa revela o talento próprio no contexto da sua época e por relação com a sociedade em que vive. É impossível definir o melhor cineasta de sempre. O mais conveniente seria um homem (dificilmente uma mulher) que tivesse abordado temáticas preponderantes para a compreensão do Homem e para o progresso da Civilização; valores sociais relevantes, não histórias de espionagem e de intriga policial. Mas é impossível traduzir a complexidade da arte cinematográfica em termos tão simplistas e redutores.