segunda-feira, novembro 06, 2006

O SUSPENSE NA TELEVISÃO



No contexto de uma sociedade global como é a do mundo moderno do século XXI, até a Televisão se reinventa em torno de princípios tradicionais. O conceito de série televisiva de sucesso passa agora por novas variáveis. Já não estão só em causa os níveis de audiência durante as emissões nem as receitas financeiras decorrentes da publicidade estrategicamente implantada.

Hoje as séries de sucesso são integralmente vendidas em pacotes de DVDs. E, de alguma forma, podem passar sempre na televisão do espectador. Em qualquer dia e em qualquer hora. O primeiro passo neste sentido fôra dado nos anos 80 com a introdução do vídeo nos hábitos do consumidor médio. (Recordo que vivi com grande entusiasmo essa época em que o vídeo entrou oficialmente em minha casa e passei a poder ver e rever os meus programas predilectos.)

“24” e “Perdidos” são dois exemplos paradigmáticos de como se podem gerir habilidosamente histórias repletas de suspense. Histórias em que se joga preciosamente com o tempo. Neste domínio, “24” é o exemplo perfeito de como se pode explorar de forma muito intensa o patamar das emoções dos espectadores (ao ritmo marcado de cada minuto e de cada segundo).

Na globalidade, as histórias de espionagem e contra-terrorismo de “24” são pouco credíveis mas o que se procura é a criação de pontos de expectativa e não a plausibilidade das situações. Os produtores e argumentistas planeiam e discutem a orientação das histórias com maestria e competência. E todas as semanas, em cada episódio, são criados novos picos de suspense e novas peripécias que desencadeiam o aparecimento de enigmas e o desvendar de surpresas.

Hitchcock gostaria de “24”? Ele que acabou reconhecendo o papel particular da Televisão como veículo de difusão de histórias e de imagens, estou convencido de que não ficaria indiferente ao profissionalismo de um projecto tão bem concebido e orientado.

Hitchcock reconheceu na Televisão um meio de comunicação muitíssimo poderoso. E embora os grandes cineastas da sua geração defendessem o Cinema ante a concorrência dos pequeninos écrans familiares, ele aceitou a proposta arrojada de trabalhar num projecto para o universo televisivo. Todo o dinheiro que Hitchcock investiu aqui foi muitíssimo bem aplicado porque lhe rendeu imensos lucros. E o aproximou ainda mais frontalmente do público.

As suas séries “Alfred Hitchcock Apresenta” e “Alfred Hitchcock Hour” (esta última em exibição no canal SIC Mulher nos últimos meses) narram histórias de crime mais ou menos sórdidas mas frequentemente cinzeladas por um tom irónico e humorístico. Foram emitidas em regime regular entre 1955 e 1962 e ajudaram Hitchcock a difundir a sua imagem pessoal na medida em que ele mesmo procedia à apresentação de cada episódio. Num tom brincalhão e jocoso mas também circunspecto e formal. O tom característico com que ainda hoje é identificado. E que usou nos trailers promocionais de “Psico” (1960), “Os Pássaros” (1963), “Marnie” (1964) ou “Frenzy – Perigo na Noite” (1972).

Cada episódio apresenta uma história completamente autónoma das restantes. Com um desenrolar mais risonho ou mais sombrio. Com personagens diferentes. O desfecho de cada história é pouco previsível. E não há “happy-ends” instituídos. É a diferença entre os episódios de “Quinta Dimensão” e os de “Missão Impossível”. Nos primeiros, o nosso herói pode morrer ou terminar em maus lençóis. Nos segundos, sabemos que os nossos heróis vão sobreviver a tudo e mais alguma coisa porque constituem o elenco fixo da série.

Hoje os episódios de Hitchcock na Televisão podem parecer-nos datados e rústicos. É preciso não menosprezar um aspecto: a Televisão tem sempre progredido uns passos atrás do Cinema. A nível artístico e tecnológico. Mas tem adquirido vantagem porque os televisores são cada vez mais sofisticados e perfeitos. E porque hoje produções relevantes como “24”, “Perdidos”, “Sete Palmos de Terra” e “Os Sopranos” vêm provar que há criações de enorme qualidade (levadas a cabo por profissionais de primeiro nível) e que são concebidas directamente para o palco da Televisão.

O suspense na Televisão está patente nos telejornais e nas telenovelas. Para cativar audiências e criar expectativas, os jornalistas e apresentadores dos jornais de televisão aguçam o apetite do espectador oferecendo-lhe pistas inconclusivas sobre o que ainda pode ver.

E nas telenovelas é comum terminar cada episódio num ponto emocionante. Sempre assim foi com as novelas brasileiras desde “Gabriela”, com as novelas portuguesas desde “Vila Faia” e com as soap operas americanas como “Dallas”. Gerir o suspense no contexto televisivo implica inteligência e empenho. Mas afinal suspense, até no “Big Brother” o encontramos… E no “Um Contra Todos”ou no “Quem Quer Ser Milionário”. Porque o suspense é um ingrediente da Vida.

O que Hitchcock e outros brilhantes artesãos fizeram foi transformar a expectativa em puro divertimento. Torna-se óbvio que a qualidade artística de uma série com vinte episódios (15 horas) não pode frequentemente competir com o primor dedicado à produção de um filme com 120 minutos.

Hitchcock gostaria de séries como “Twin Peaks” sob a direcção de David Lynch ou “Taken” da responsabilidade de Steven Spielberg? Pelo contributo que trouxeram ao modo televisivo de trabalhar o suspense, acredito que sim.

Já agora: porque é que é tão difícil encontrar em Portugal DVDs de séries televisivas a preto e branco? Parte do património televisivo dos anos 50 e 60 tem imagem a preto e branco. Vamos ignorar que essa parte (às vezes muito interessante) existiu?



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