terça-feira, março 21, 2006

OS ACTORES SÃO COMO GADO - PARTE I


Os actores irritavam Hitchcock. Especialmente aqueles que prezam a sua condição de estrelas. Um actor vaidoso, egocêntrico e que quer que a sua vontade prevaleça sobre a de todos os outros era, segundo Hitchcock, um sério inconveniente.

Hitchcock detestava o estatuto e o excesso de privilégios das grandes estrelas. Uma estrela atrai audiências, ele sabia-o. Mas ele não precisava de estrelas nem as procurava. Às vezes eram criaturas inconvenientes no cenário de realização de um filme.

Hitchcock terá escrito algures que os actores merecem ser tratados como gado. O comentário foi recebido com desagrado. Ele terá argumentado em sua defesa que não considerava que os actores fossem gado mas que apenas os encarava como tal.

A sua ironia gelava o ânimo de certas pessoas e nem todos simpatizavam com os seus comentários ácidos.

Na verdade, Hitchcock satisfazia-se com actores de medianas capacidades. Não precisava de grandes desempenhos. Talvez receasse que o nome das suas estrelas brilhasse mais do que o seu. Ou talvez entendesse honestamente que uma trama de suspense tem a ver com emoções, expectativas, surpresa, medo e apreensão. Para que queria ele grandes actores? Bastava-lhe pegar num argumento inteligente e filmar os actores da forma mais adequada e eficaz. Grandes desempenhos? Não precisava deles! Era-lhe suficiente que os actores se comportassem de forma credível e convincente.

Nos primeiros anos da sua carreira, Hitchcock encontrou na sua Inglaterra natal actores que serviam os seus interesses. Nos filmes que realizou entre 1925 e 1939, dirigiu actores de prestígio tais como Ivor Novello, Jessie Matthews, Peter Lorre, Robert Donat, Madeleine Carroll, John Gielgud, Sylvia Sidney, Margaret Lockwood, Michael Redgrave, Maureen O’ Hara e Charles Laughton.

Hoje à distância de mais de seis décadas, esses filmes parecem-me (quase todos) um pouco crus. Como um bolo que tem tudo para sair saboroso, tenro e rico mas que não está demasiado tempo no forno. (Penso que Hitchcock não se ofenderia nada se eu comparasse a arte cinematográfica com a arte gastronómica.)

As interpretações dos actores no cinema inglês de Hitchcock parecem-me similarmente cruas (e datadas).

Quando se mudou para Hollywood, Hitchcock precisou de suportar as imposições do produtor para quem trabalhou durante 7 anos: David O. Selznick que criara “E Tudo O Vento Levou” (1939) e era tido como um rei poderoso e influente.

Selznick impôs certos elencos a Hitchcock mas ele entendeu-se bem com muitos dos actores que com ele trabalharam nesses anos. Joan Fontaine foi a sua heroína em dois filmes importantes: “Rebecca” (1940) que permanece um clássico do Cinema adaptado de um clássico da Literatura. E “Suspeita” (1941) onde brilhou a tal ponto que arrecadou o Óscar para Melhor Actriz e convenceu críticos e público.

A parceria entre Hitchcock e Fontaine foi saudável. Outros encontros foram por então também felizes: Joseph Cotten, Teresa Wright e sobretudo Cary Grant e Ingrid Bergman.
Lawrence Olivier também brilhou em “Rebecca” mas aqui sempre me pareceu demasiado rígido, inexpressivo e teatral.


Em 1947, Selznick terá imposto a estrela Alida Valli para o filme “O Caso Paradine”. Hitchcock não gostava de imposições.

Ingrid Bergman deixou Hollywood e casou com o realizador italiano Roberto Rosselini. Hitchcock descobriu Grace Kelly e nomeou-a, directa ou indirectamente, como a sua loira de eleição.

O problema é que Hitchcock parecia não querer colaborar eficientemente com os actores que o desagradavam. Grace Kelly casou e abandonou o Cinema. Ele ter-se-à voltado para Vera Miles que filmou em “O Falso Culpado” (1957) ao lado de um excelente Henry Fonda.

James Stewart era o modelo do homem comum apanhado em circunstâncias estranhas e perigosas. Stewart aparece em 4 dos grandes filmes do Mestre.

Kim Novak não agradou a Hitchcock. Teria que trabalhar com ela e filmá-la enquanto estrela de “Vertigo” (1958), uma vez que Vera Miles engravidara e o projecto das filmagens não podia ser adiado.

A relação de Hitchcock com as suas actrizes era problemática. Kim Novak é soberba em “Vertigo” mas Hitchcock insistiu sempre em subvalorizar o seu contributo para o filme.
Curiosamente veio a gostar muito de uma outra loira elegante mas com metade do talento de Novak: Tippi Hedren. Filmou-a em “Os Pássaros” (1963) e em “Marnie” (1964). Hedren não era uma grande actriz. As suas limitações estão muito evidentes no segundo filme.
O homem que outrora dissera que as lindas actrizes sedutoramente vestidas não eram mais do que um adorno suplementar, acabaria certamente por mudar de ideias; Hedren foi escolhida meramente pelo seu aspecto.


Em 1966, Hitchcock sofreu novas imposições da Universal: As estrelas do seu novo filme de espionagem seriam irrevogavelmente Paul Newman e Julie Andrews (ambos no auge da sua popularidade). Novamente Hitchcock torceu o nariz e, desta vez, desprezava o talento de dois grandes actores.

“Cortina Rasgada” foi uma desilusão. Julgo que a relação de Hitchcock com os actores terá sido determinante na falta de entusiasmo com que todos encararam o projecto. Hitchcock terá mesmo dito no 1º dia de filmagens: “Vamos lá então começar esta maçada!

O talento de Paul Newman não servia a Hitchcock para nada; e se Doris Day tivera sido bem aceite por ele em “O Homem Que Sabia Demais” (1956), Julie Andrews não era a estrela que ele considerava ideal. Ela fizera “Mary Poppins” (1964) e “Música no Coração” (1965). Compreensivelmente ele declarou: “As pessoas vão esperar que ela cante!”
Se Doris Day, actriz e cantora, tivera sido bem aproveitada, Julie Andrews não o foi. Day canta “Que Será Será” no filme de Hitchcock e interpreta o seu papel com dramatismo e intensidade. A Julie Andrews mais não coube do que um papel vazio e pobre.


Depois disso, Hitchcock nunca mais voltou a reunir em torno de si um elenco de primeiro plano.
Em “Topázio” (1969) voltou a dirigir um actor medíocre (que também utilizara em “O Terceiro Tiro” (1955)): John Forsythe. Nos anos 70, filmou em Londres “Frenzy” (1972). Depois “Intriga em Família” (1976). Os novos heróis de Hitchcock já não eram charmosos e elegantes. As actrizes de “Frenzy” são feias. Os dois casais de “Intriga em Família” eram curiosos e peculiares. Burlescos mas não brilhantes.


A relação de Hitchcock com os seus actores bem pode ter sido um entrave ao sucesso de certos filmes. E hoje lamentamos que assim tenha sido...

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