terça-feira, julho 04, 2006

O GRANDE COMPOSITOR DE HITCHCOCK











O passado dia 29 de Junho e particularmente as linhas que aqui escrevo estavam no meu horizonte há vários meses. Porque nesse dia o grande compositor e maestro Bernard Herrmann completaria 95 anos se fosse vivo.

Na verdade, eu havia mesmo idealizado uma homenagem especial a este homem cuja obra me tem marcado com uma dose de magia. Mas diversos acontecimentos vieram contrariar as minhas intenções
Como cantava John Lennon (dos Beatles), numa música já perdida no tempo (mas não na memória de certas pessoas), a Vida é tudo aquilo que nos acontece enquanto fazemos planos para ela. Ou como dizia o outro: Queres pôr Deus a rir? Conta-lhe os teus planos!”


Façamos de conta que o dia 29 não passou sem eu ter deixado aqui umas palavras de apreço pela vida e pela obra de Bernard Herrmann.

Bernard Herrmann foi o grande compositor do cinema de Alfred Hitchcock. Trabalhou durante mais de três décadas na criação de música para filmes e iluminou imagens de realizadores tão distintos como Orson Welles, Martin Scorsese ou François Truffaut.

A colaboração entre Hitchcock e Herrmann foi perfeita e paradigmática. É o exemplo de como um cineasta e um músico podem trabalhar em parceria criando juntos algo de luminoso e de único. A união das imagens dos filmes de Hitchcock com a música de Herrmann é exemplarmente harmoniosa. Como se Herrmann tivesse nascido para tornar genial o cinema de Hitchcock. E vice-versa: como se Hitchcock tivesse vivido para criar atmosferas propícias ao engenho de Herrmann.

Não me parece importante deter-me com pormenores biográficos sobre a vida deste homem de carisma artístico invulgar. Posso dizer que era oriundo de uma família de emigrantes judeus russos que se mudou para os Estados Unidos. Nasceu a 29 de Junho de 1911 na cidade de Nova-York. Estudou Música, desenvolveu contactos precoces com pessoas relevantes do universo das artes e decidiu muito jovem que queria ser compositor e maestro.

Trabalhou na rádio (na estação CBS) onde terá conhecido Orson Welles para quem compôs música em inúmeros programas de teatro radiofónico. A mais célebre e impressionante emissão radiofónica de Welles e Herrmann foi certamente uma adaptação realista de “A Guerra dos Mundos” de H. G. Wells.

Em 1941, Orson Welles realizou, escreveu e interpretou o seu primeiro filme: o aclamadíssimo “Citizen Kane”. E convidou o seu amigo Bernard Herrmann para criador da banda sonora da obra.

Nesse mesmo ano, Herrmann, então com 30 anos, recebeu um Óscar pelo seu trabalho em “The Devil and Daniel Webster” de William Dieterle.

Herrmann era um homem irascível e temperamental. O seu trabalho é a obra de um artista e pensador, devoto da arte musical e que gostava de reflectir sobre as suas potencialidades no universo cinematográfico.

Trabalhou na composição de bandas sonoras de dezenas de filmes e também compôs para televisão (música para episódios de séries famosas como “A Quinta Dimensão” ou “Alfred Hitchcock Apresenta…”)

Com Hitchcock concebeu algumas das suas obras-primas, entre elas “Vertigo” (1958) e “Psico” (1960). Mas também “Intriga Internacional” (1959) e “Marnie” (1964).

Sabem, meus amigos leitores, não entendo ao certo o que mais me sensibiliza e impressiona na música de Bernard Herrmann. A Música remete para emoções e as emoções nem sempre se explicam. Talvez possa ser a expressividade das suas criações musicais, a nostalgia que emana de certas partituras ou o efeito poético e harmonioso que produzem em nós.

A música de Herrmann expressa emoções. É verdade. Medo, ansiedade e amor. É uma música (quase sempre) criada para acompanhar imagens mas vive à margem delas e envia-nos para um universo onírico de sensações únicas.

Grande maestro (dizem que sentia um enorme prazer e realização pessoal a dirigir uma orquestra), Herrmann será certamente imortalizado pelo seu trabalho no Cinema. Esse trabalho que ele abraçou por um capricho insistente do destino.

Convido os meus leitores a visitarem o site do Bernard Herrmann Society que reúne inúmeros documentos e trabalhos de apreciação do grande compositor. (www.bernardherrmann.org) Já tenho colaborado no fórum do site, trocando ideias e partilhando conhecimentos com variadíssimas pessoas entusiastas da arte de Herrmann.

E claro para os grandes fãs de Herrmann há sempre a sua biografia escrita por Steven C. Smith em 1991 e intitulada “A Heart at Fire’s Center” (“Um Coração No Centro do Fogo”).

O prazer e o entusiasmo que o trabalho de Herrmann suscita são peculiares. Porque a sua música nem sempre é doce e afável. Nem sempre é meiga e confortável para os nossos ouvidos. Ele era um compositor arrojado. Às vezes ousava ser experimental e inovador. Outras vezes era mais convencional mas nunca desinteressante.

Convido também as pessoas que me lêem a visitar o site do British Film Institute (BFI), em Londres, onde irá decorrer durante o mês de Julho um interessante ciclo de filmes com música de Herrmann. Se a distância à capital inglesa fosse mais rápida e menos dispendiosa, talvez ousasse passar por lá…

Bernard Herrmann faleceu na noite de Natal do ano de 1975. Um dia depois de estarem completas as gravações relativas à banda sonora de “Taxi Driver” de Scorsese. Herrmann morreu cedo demais.

Dizem que Spielberg o admirava profundamente e talvez filmes como “Encontros Imediatos de 3º Grau” (1977) ou “Inteligência Artificial” (2001) fossem projectos que motivassem o empenho do compositor. Agora só podemos especular…

Sim. Bernard Herrmann deixou este mundo cedo demais. Ainda tinha muito para nos oferecer mas estava cansado e doente. O seu legado é extenso e não está verdadeiramente completo. Em 1991, Scorsese refez “O Cabo do Medo” a partir de um filme de 1962 e recorreu à banda sonora original de Herrmann e a excertos de uma partitura dele nunca usada.

Em 1998, Danny Elfman conduziu uma regravação de “Psico” para a modesta remake de Gus Van Saint. Há cerca de três anos, Quentin Tarantino incluiu “Twisted Nerve” de Herrmann na banda sonora de “Kill Bill”.

A magia e o talento de Bernard Herrmann permanecem vivos em brilhantes gravações digitais editadas nos mercados discográficos mundiais. Pela mão de pessoas empenhadas, de maestros atentos e de trabalhos de orquestra cuidados. Regrava-se e reedita-se Herrmann. Nunca antes Herrmann esteve tão próximo dos seus admiradores. E hoje graças à tecnologia da Internet alcança-se com uma facilidade inédita algumas das suas gravações mais raras.

Bernard Herrmann enriquece o quotidiano de muitas pessoas. Pode parecer estranho ouvir Herrmann no carro a caminho do emprego. Herrmann e não Tina Turner ou os U2. Mas o universo de Herrmann funciona como paralelo a todos os outros. Diferente e alternativo. Ontem como hoje. Hoje como amanhã. Dentro ou fora dos filmes. Anexado ou não a imagens. Esse é um dos seus encantos…

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