sábado, maio 12, 2007

APRESENTANDO A MÚSICA DE «INTRIGA EM FAMÍLIA»




Foi o derradeiro filme realizado por Hitchcock. A propósito da música que lhe seria ideal, Hitchcock terá proferido «O Homicídio pode ser divertido.» De facto, a banda sonora deste “Family Plot” (1976) está imbuída de muita ironia e graciosidade. Como se tivesse sido composta com um sorriso nos lábios. Ou como se os instrumentistas estivessem contaminados por um espírito brincalhão ou vagamente cómico.

Hitchcock terá enfatizado que não precisava de sons sinistros operados por instrumentos de sonoridade agressiva. Procurava sim uma música simpática e divertida. Porque desejava lidar com o lado mais irónico e humorístico do universo do crime e do suspense.

Em última análise, “Family Plot” bem poderá ser uma comédia honestamente assumida. Um filme na continuidade de “O Terceiro Tiro” (1955) para o qual Bernard Herrmann compusera uma música igualmente jocosa. Sendo Hitchcock um homem espirituoso e brincalhão, os contornos cómicos do seu último filme não surpreenderam ninguém.

Em 1941, ele havia realizado uma comédia sobre o Casamento intitulada “O Sr. e a Sra. Smith”. E depois, “O Terceiro Tiro” confirmaria o seu talento evidente para recriar cenários cómicos através de um humor negro tipicamente britânico e fleumático. (Embora alguns cartazes desse filme salientassem que se tratava de uma obra inesperada vinda das mãos de Hitchcock.)

“O Terceiro Tiro” parece um filme inglês. Dizem que será o mais britânico dos filmes americanos do Mestre. Contrariamente, “Intriga em Família” retrata locais e personagens muito americanos. Mas um e outro são ironias porque parodiam graciosamente a situação típica do suspense e o contexto do crime.

No meu entender, “O Terceiro Tiro” é uma obra mais perfeita e autêntica. (E apresenta uma belíssima fotografia a cores.) Mas tanto um filme como o outro lidam jocosamente com os conceitos do Crime e da Culpa.

Tendo posto fim à sua colaboração com Bernard Herrmann, Hitchcock procurou depois os trabalhos musicais perfeitos na inspiração de compositores como John Addison (“Cortina Rasgada”, 1966) ou Maurice Jarre (“Topázio”, 1969).

John Williams que, em 1975, havia recebido uma aclamação generalizada e também um Óscar pela banda sonora de “Tubarão”, decidiu aceitar o desafio de trabalhar para Hitchcock: compôr para “Intriga em Família”. Mas, de imediato, ele se apercebeu que não deveria criar uma música amarga, tensa ou incómoda.

John Williams converter-se-ia num dos mais bem sucedidos compositores de Música para Cinema. O segredo do seu sucesso pode residir na facilidade com que desenvolve trabalhos sinfónicos de sonoridade imponente e operática.

O cinema de Steven Spielberg resultou no veículo ideal para a expansão do teor épico, espectacular, imponente e emocionante da música de John Williams. Atestam-no filmes como “Encontros Imediatos de 3º Grau” (1977), “ET” (1982), “Salteadores da Arca Perdida” (1981) e “A Lista de Schindler” (1993). Williams também compôs para “Star Wars” (1977) de George Lucas, "JFK" (1991) de Oliver Stone e "Super-Homem" (1978) de Richard Donner, para não fazer menção a muitos outros trabalhos seus...

Mas, na realidade, a associação entre Spielberg e Williams resultou numa colaboração perfeita. Como a de Sergio Leone e Ennio Morricone; David Lynch e Angelo Badalamenti; Blake Edwards e Henry Mancini; ou Tim Burton e Danny Elfman.

John Williams equipara Hitchcock a Spielberg na medida em que ambos conferem uma dimensão central ao papel da Música no contexto de um filme. Como se a Música fosse um dos personagens do enredo, com uma presença real, estrategicamente manobrada.

Não posso escrever que a minha relação afectiva com “Family Plot” seja mágica e feliz. Nunca gostei muito do filme final do Mestre. Claro que não está à altura das suas obras-primas. Nem assume elevadas pretensões. Mas não posso negar que constituiu para mim uma declarada desilusão. Especialmente porque a Crítica sempre foi benevolente com esta obra.

Penso que sendo um filme com explícitos momentos de suspense, ficou beneficiado por não ser demasiadamente levado a sério. Se fosse levado a sério, era difícil aceitar abertamente determinadas simplicidades do argumento. Se fosse levado a sério, seríamos obrigados a admitir que o seu suspense raramente prende a respiração do espectador.

Assim, “Family Plot” é basicamente um divertimento simpático. Como a sua música. À semelhança do bem amado “Ladrão de Casaca” (1955) que, a meu ver, também é sobrevalorizado (e que é igualmente muito ligeiro e irónico).

História que cruza dois casais de vigaristas, “Family Plot” herda alguns ingredientes tipicamente hitchcockianos – um pontualmente apurado sentido visual; e uma insinuação subtil do patamar do sobrenatural (expressa na música de John Williams pelas vozes fantasmagóricas).

A cena do carro guiado sem travões convoca a memória para a sequência em que Cary Grant guia embriagado em “Intriga Internacional” (1959). Há várias sequências em que os personagens se tornam «voyeurs», observando a vida dos outros. O personagem «voyeur» é comum no cinema de Hitchcock e particularmente evidente em “Janela Indiscreta” (1954).

No elenco, William Devane é um elegante ladrão de pedras preciosas (como Cary Grant em “Ladrão de Casaca”). Barbara Harris é cómica ao personificar uma «médium» fraudulenta. Karen Black assume o papel de mulher sofisticada (embora não hitchcockianamente loira). Bruce Dern, que fôra um vilão em “Marnie” (1964), assume aqui a figura de um vigarista não muito mal-intencionado.

Tudo funciona em jeito de brincadeira. Numa cidade cujo nome nunca é nomeado. E tudo termina com Barbara Harris piscando o olho para o espectador. Num procedimento fílmico nunca antes encenado por Hitchcock. Mas carregado de ironia e humor. Como a música de John Williams que agora podemos escutar neste blog.

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