terça-feira, outubro 23, 2007

«ALFRED HITCHCOCK APRESENTA» EM PORTUGAL


Chegou finalmente ao mercado português do DVD a série televisiva a que Hitchcock emprestou o seu nome. Como ele costumava proclamar com ironia, por meio daqueles episódios semanais de meia hora, o crime chegava verdadeiramente ao seu local legítimo: o lar das famílias.

Embora nos anos 50, a indústria cinematográfica temesse as potencialidades da Televisão e Hitchcock não fosse um fã declarado das produções televisivas, esta série histórica ajudou a popularizar a imagem dele junto de variadíssimas audiências à escala mundial.

Hitchcock procedia invariavelmente à apresentação de cada história com uma ironia retorcida e sarcástica. Fazia-o num tom fleumático e jocoso. Falava pausada e arrastadamente (como lhe era natural) em cenários minimalistas ou que caracterizavam realidades particulares.Frequentemente, o contexto de onde falava remetia para a narrativa do episódio.

Nunca como desde o início da série, em 1955, o seu rosto, a sua figura, os seus traços típicos e as suas idiossincrasias foram tão popularizados e difundidos. Era esse o poder da Televisão.

A primeira temporada teve início a 2 de Outubro de 1955 com um episódio directamente realizado por ele: “Revenge” com Vera Miles. A transmissão foi feita no horário nobre (21.30) de um domingo, pelo canal CBS.

Até Junho de 1962, ao longo de sete temporadas, foram emitidos 268 episódios. Eram narrativas que frequentemente terminavam com um triunfo do Mal ou com uma máxima contrária à moral de que o crime não compensa. A seu modo, eram propostas destabilizadoras porque representavam uma violação dos códigos de ética dos programas da época.

A televisão americana sempre foi muito severa quanto ao conteúdo das obras a transmitir. No domínio das séries de ficção, a divulgação de costumes eticamente reprováveis, a nudez e a má linguagem são por norma reprovados. Ainda hoje assim sucede. E é compreensível que se preserve algum zelo em relação a um meio de comunicação que pode chegar a todas as pessoas de todas as idades.

Nos nossos dias, o desempenho dos canais por cabo como a HBO tem sido decisivo para aniquilar ou atenuar inúmeras restrições instituídas. Séries como “Os Sopranos”, “Sete Palmos de Terra” ou “Roma” só conheceram a luz do dia no contexto de uma televisão que funciona segundo normas mais liberais.

Quando nos anos 50, nos episódios de “Alfred Hitchcock Presents”, os espectadores liam uma perversão dos princípios éticos – o criminoso mata e sai impune da situação – obviamente daí decorria uma irónica vibração dos valores do Bem e do Mal.

Alfred Hitchcock falava para a audiência depois do anúncio comercial do fim e costumava sentenciar que o criminoso (vilão ou não) iria ser apanhado desta ou daquela forma porque cometera este ou aquele erro. Deste modo, ele calava alguns espíritos inquietos e forçava a aceitação do episódio. No entanto, o que todos haviam visto com os seus próprios olhos fôra a prática de um crime e não a condenação declarada de um criminoso.

O universo de “Alfred Hitchcock Presents” contém histórias muito diferentes e de qualidade variável. Habitualmente, o espectador sentia empatia com o criminoso porque este era uma vítima das circunstâncias e o crime era a melhor (e mais merecida) resolução dos seus problemas.

Chantagistas, maridos violentos e insensíveis, mulheres infiéis e sem escrúpulos, ladrões e corruptos que destroem friamente a vida dos outros merecem uma punição. Hitchcock mostrava a sua própria moral. Em termos irónicos, ele quase subvertia a ordem da justiça porque nos deixava aceitar uma vilania ou um crime.

Muitos actores célebres (na época ou em fases posteriores) participaram na série. Nomeando somente alguns, lá encontramos Charles Bronson, Robert Redford, Steve McQueen, Peter Lorre, Robert Duvall, Vera Miles e Joseph Cotten.

De entre os escritores cujo trabalho foi adaptado para a série contam-se nomes distintos como os de Alexander Woolcot, John Wyndham, Ray Bradbury, H. G. Wells e Robert Bloch.

Hitchcock sugeria actores para o elenco assim como histórias e argumentistas com potencialidades evidentes. Ele visionava cada episódio antes de este ir para o ar. E gravava a mencionada apresentação feita por si que era adequada a cada história. Fazia discursos sintéticos e irónicos, parodiando a própria Televisão e a incursão incómoda dos filmes publicitários.

Mas por muito que ele desprezasse a Televisão, ela foi para ele um veículo fundamental de promoção do seu nome e da obra que lhe está associada. E por muito que detestasse os anúncios, o apoio financeiro das empresas patrocinadoras era quase indispensável.

As sete temporadas de “Alfred Hitchcock Presents” antecederam o “The Alfred Hitchcock Hour” que se compõe de 93 episódios de 45 minutos (originalmente transmitidos entre Setembro de 1962 e Maio de 1965). No total, podemos contabilizar 361 episódios que pronunciaram a fama do Mestre do Suspense durante uma década.

Na realidade, o papel de Hitchcock em todo este projecto não era senão essencialmente promocional. Das três centenas de episódios, ele só terá realizado pouco mais do que uma vintena.

A primeira e a segunda temporadas que podemos encontrar à venda em DVD no mercado nacional reúnem 78 episódios. Das 39 histórias da Série 1, só três delas são inteiramente assinadas por ele. A saber: “Revenge” (2 de Outubro 1955), “Breakdown” (13 de Novembro 1955) e “The Case of Mr. Pelham” (4 de Dezembro 1955).
Do pacote da segunda temporada, Hitchcock realizou três episódios também: “Wet Saturday” (30 Setembro 1956) , “Mr. Blanchard’s secret” (23 Dezembro 1956) e o aclamado “One More Mile To Go” (7 de Abril 1957).

Poderá parecer que a supervisão dos scripts e os pontuais aconselhamentos e sugestões do cineasta não farão desta série uma obra genuína de Hitchcock. E será verdadeira essa percepção. A partir de dado momento, até os textos lidos por ele nas apresentações eram concebidos e estruturados por especialistas do discurso e da comunicação.

Ainda assim, a obra cinematográfica de Hitchcock era muitíssimo relevante e a série funcionou com um importante apêndice. Quem gostava dos episódios da série, era alimentado por uma crescente curiosidade em relação ao cinema do Mestre do Suspense.

O filme “Psico” (1960) foi o ponto de contacto perfeito entre os dois universos: o da Televisão e o do Cinema. A equipa técnica do filme incluiu quase só pessoal que trabalhava na série. “Psico” nasceu como um projecto experimental e de baixo orçamento. (Mas continha nas suas raízes enormes potencialidades.)

“Alfred Hitchcock Apresenta” é um importante documento histórico. A melodia do genérico – «Funeral March of the Marionette» de Charles Gounod – permanece o mais directo símbolo de identificação sonora de Hitchcock. Nos nossos dias, há quem guarde os acordes da melodia no seu telemóvel. Ninguém reconhece aquele trecho como sendo de Gounod mas antes num processo de associação a Hitchcock.

O tema de Gounod adaptado para a série foi inclusivamente usado em “Cortina Rasgada” (1966). A banda sonora daquele filme desvia-se da sua orientação natural no momento da aparição de Hitchcock. Ele está sentado no átrio de um hotel e uma criança que tem ao colo urina-lhe sobre a perna. Trata-se de uma piscadela de olho aos hitchcockianos. E só dura alguns segundos.

Aplaudo a edição portuguesa das séries 1 e 2. Nos EUA, foi recentemente lançada a terceira temporada. Para um hitchcockiano que vive de um salário pequeno e de uma formação académica na área da Antropologia, o investimento financeiro parece ser mais pertinente na compra de filmes do cineasta. Defendo indubitavelmente que é no universo cinematográfico de Hitchcock que se revela a sua grandeza artística e intelectual. E se precisarmos de escolher, eu não hesito.

No entanto, já me imagino a ver episódios desta série em tardes chuvosas de domingo. Naqueles dias e noites em que nos sentimos aconchegados em casa a ver no pequeno écran a aflição e o desespero das vítimas de Hitchcock. Estes crimes são feitos para o lar. E devem-se ver e rever com agrado no sofá da sala ou no calor dos lençóis da cama.

O reencontro com cada episódio nesta impecável edição em DVD (embora sem extras) pode facultar ao espectador um contacto mais consciente com cada produção. E uma identificação mais transparente das virtudes e defeitos de cada programa.

Recentemente, a revista Time colocou “Alfred Hitchcock Presents” na lista dos 100 melhores shows televisivos de todos os tempos. A série foi galardoada com emmys, globos de ouro e outras distinções. Agora, 50 anos depois de ter estreado, ela pode ser vista em DVD. Com outros olhos.

5 comentários:

Wellvis disse...

Peguei um folheto com seu blogue na cinemateca...gostei dos textos. Voltarei sempre. Abraço.

vallinismo disse...

Olá. Sou brasileiro e também fã de hitchcock. Infelizmente, alfre hitchcock apresenta não foi lançado aqui no Brasil. Como posso adquirir os dvds portugueses? Obrigado!

Anónimo disse...

Prezado Senhor,
Sou de Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil. Por favor, gostaria de saber se os curtas da coleção Alfred Hitchcock Presents têm legenda em português.
Se sim, qual o preço?
Meu Email: rangel.al@gmail.com
Agradecido,
Rãgl

Unknown disse...

Ótimo texto! Parabéns. Continue com o blogue!

M. Exenberger disse...

Pessoal, este episódio, chamado Ressaca, é bem interessante e tem Jayne Mansfield no elenco. Não está legendado, mas dá para entender. https://www.facebook.com/watch/?v=10156600471761979