sexta-feira, abril 07, 2006

A SEXUALIDADE NA OBRA DE HITCHCOCK - PARTE I





O Tema da Sexualidade no Cinema é frequentemente controverso e, não raras vezes, difícil de trabalhar com eficiência. Atrai seriamente a atenção de muitas plateias e desperta um interesse generalizado. Mas é um assunto delicado e polémico.

A celeuma em torno deste tema é peculiar. O Sexo é dos fenómenos mais genuínos da Natureza. E dos mais espontâneos também. Mas é um fenómeno complexo em termos comportamentais, éticos e culturais.

Quando alguém se refere a Sexo no Cinema é pertinente que se pergunte: Que tipo de valores sexuais se deve mostrar? Onde começa e acaba o bom senso? Deveremos enterrar a cabeça na areia (como faz a famosa avestruz) e tentar ignorar que certas realidades existem? É lícito mostrar e mencionar tudo?

O pormenor do Erotismo nos filmes é muito importante na arte cinematográfica. A beleza do Erotismo Cinematográfico é que seduz por não mostrar o evidente. Se considerarmos que a sexualidade humana está em todos nós, compreenderemos facilmente que o domínio dos desejos e das tentações carnais seja fundamental na psicologia de muitos personagens.

Alfred Hitchcock nunca gostou do óbvio. No domínio da Sexualidade, uma loira aparentemente fria e contida podia, para ele, ser muito mais excitante do que uma mulher ostensivamente promotora da sua sensualidade. Ele não gostava do modelo da actriz com o “sexo estampado no rosto”. (palavras suas) E citava o exemplo de Marilyn Monroe que nunca sentiu interesse em convidar para um filme.

Podemos estabelecer que o modelo ideal para Hitchcock era Grace Kelly. Pergunto-me: Ele gostava de Kelly porque ela era loira ou gostava das loiras porque Kelly era uma delas?

Kelly era uma mulher deliciosamente elegante e sofisticada. Uma Grace Kelly misteriosa e enigmática podia ser como Kim Novak em “Vertigo”, Tippi Hedren em “Marnie” ou Eva Marie Saint em “Intriga Internacional”.

A mulher inteligente e fria revela-se muito mais entusiasmante no cinema de Hitchcock do que a mulher carnal e transparente. A mulher morena é como que a mulher do homem comum. A mulher loira é uma mulher inacessível e endeusada.

Não podemos ignorar que Hitchcock realizou filmes durante cinco décadas e sofreu muitas imposições dos que mandavam mais do que ele.

Os senhores da Censura nos anos 40 e 50 eram intensamente influentes na delineação de tudo o que se mostrava num filme ou se fazia subentender.

Em todos os aspectos, era o mistério que mais seduzia Hitchcock e é o mistério nos seus filmes que cativa público. Hoje como outrora. Isto também se aplica à vertente sexual da sua obra. Também na forma como filmava as emoções contidas e os beijos carregados de paixão.

As cenas de amor em “Difamação” (1946) unindo Cary Grant a Ingrid Bergman são densamente envolventes. Também o belíssimo beijo de Grace Kelly a James Stewart em “Janela Indiscreta” (com um fantástico efeito visual). Ou a cena em que Grace Kelly e Cary Grant se deixam arrebatar pela paixão em “Ladrão de Casaca” (1955) – Repare-se como o lançamento simultâneo do fogo de artifício tem uma forte conotação sexual.

Quase sempre o beijo na boca era o expoente máximo da sexualidade visível aos olhos do espectador. Todo o resto era pressuposto, sugerido, contado ao espectador por meias palavras.

Eram os tempos de uma censura que não deixava mostrar muito, que cortava diálogos e aspectos importantes se os considerasse subversivos. Em que as grandes produções não podiam desrespeitar as normas vigentes. Em que ninguém se atrevia a ir além de um limite bem traçado e intransponível.

Hitchcock, tal como os cineastas seus contemporâneos, precisava recorrer a linguagens codificadas e a estratégias de sugestão de ideias. Como decorrente disso, e porque se usava um código, hoje os jovens não conseguem encontrar nos filmes antigos as referências de cariz sexual. Elas estão demasiado ocultas.

UM EXEMPLO ILUSTRATIVO – Forma discreta de insinuar que dois namorados vivem juntos embora não sejam casados: Ele está na casa dela, vai à cómoda buscar um lenço, sabe precisamente em que gaveta está e retira-o sem pedir a ninguém. O público pressupõe então uma relação entre aquele homem e aquela mulher que vai certamente além das fronteiras de um namoro cândido.

Estranho e curioso? Um pouco. Há histórias desta índole na obra de Hitchcock. Modos de fintar o excesso de zelo dos censores. Alguns podem transcender a percepção do espectador comum. Por exemplo, apresentar a Coit Tower em “Vertigo” (1958) junto à casa de James Stewart como expressão simbólica do seu desejo sexual. A ideia, li-a numa entrevista feita a Hitchcock. Parece-me interessante mas muito pouco impressiva nos nossos dias. Estranha e quase descabida.

Hoje há intensa liberdade para filmar o que se quer e como se quer. Nos Estados Unidos, se um filme for considerado material exclusivamente apropriado para adultos, provavelmente vai mesmo ser visto por jovens (quando sair em DVD ou passar num canal de televisão por cabo). Quase sempre os bois são chamados pelos seus nomes. E já não há inibições em séries de TV como “Sete Palmos de Terra”, “Os Sopranos” ou “Anjos na América”.

Perante o panorama actual, as ousadias de outros tempos são hoje demasiado subtis. Não é evidente que os protagonistas de “A Corda” (1948) sejam homossexuais. Ou que Martin Landau em “Intriga Internacional” (1959) sentisse ciúmes de Eva Marie Saint na medida em que ele amasse o seu patrão James Mason.

A ingénua abertura de “Psico” (1960) escandalizou muitos espectadores porque apresentava uma jovem solteira e um homem divorciado, deitados na cama do quarto de uma pensão. Haviam claramente tido relações sexuais e ela nem almoçara para se entregar às carícias e ao amor do amante.

Seis anos mais tarde, em “Cortina Rasgada” (1966), também encontramos Paul Newman e Julie Andrews, supostamente nus (ou quase) debaixo do calor dos lençóis e dos cobertores. Os tempos traziam mudanças culturais. Mas várias ligas de moralidade decidiram advertir os pais de família a não levarem as suas crianças àquele filme. Julie Andrews não apresentava em “Cortina Rasgada” um modelo edificante. Não era mais a preceptora mágica de “Mary Poppins” (1964) nem a noviça ingénua de “Música no Coração” (1965). Por isso, dada a insensatez daquela cena, o filme podia veicular maus valores morais.

Meus amigos leitores, face ao que estamos habituados a contemplar hoje nas telas de cinema e nos écrans de televisão, estas histórias parecem quase descabidas e caricatas. Só passaram 40 anos e, nestas décadas, a aproximação cinematográfica à temática da Sexualidade sofreu uma incrível reorientação. De 1966 para 2006, os passos dados foram gigantescos… Embora nem sempre com resultados felizes…

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