segunda-feira, abril 17, 2006

A SEXUALIDADE NA OBRA DE HITCHCOCK - CONCLUSÃO



Para abordar a temática da Sexualidade, Hitchcock (e todos os realizadores e argumentistas do seu tempo) precisavam recorrer a muita argúcia e engenho. Imagino que, para Hitchcock, a vertente sexual dos seus heróis e vilões fosse um patamar interessantíssimo.

Mas é preciso não ignorar que Hitchcock, ele mesmo, recebera uma instrução católica severa. Aos 25 anos, ele não sabia o que era a homossexualidade e revelou-se muito curioso e intrigado quando se cruzou pessoalmente com um casal de lésbicas. Também por esses dias, ele terá admitido não fazer ideia do que era a menstruação.

Hitchcock foi marido de uma mulher apenas e não consagrava interesse relevante à vertente sexual da sua vida. Havia quem o apelidasse de celibatário.

Por contraste com a sua pessoa, o herói hitchcockiano é uma figura de aspecto físico exemplar – modelo Cary Grant. Homem alto, elegante, sedutor, a quem as mulheres sucumbem com facilidade. Homem sensível, emocional e apaixonado – modelo James Stewart (ou Gregory Peck em “Casa Encantada” (1945))

O herói hitchcockiano é o oposto de Hitchcock, ele mesmo. Seduz e é seduzido. Apraz-se de conquistar. (Rod Taylor é assim em “Os Pássaros”. Também Sean Connery em “Marnie”) Alfred Joseph só terá conhecido maritalmente a sua pequenina e estimada mulher Alma Reville. (Há quem diga que não foi exactamente assim mas as histórias em relação a gente famosa desdobram-se e multiplicam-se.)

Quando ouvimos Hitchcock referir-se ao sexo como factor paralelo ao assassínio e ao crime, não podemos deixar de nos deleitar com a sua ironia. Ele fala assim no trailer da colecção “The Essential Hitchcock”. Em termos de marketing e de estratégias publicitárias, o sexo vende.

No cartaz de “Marnie” (1964) lemos: “DE ALFRED HITCHCOCK, COM SEXO E SUSPENSE!”

Para ser exacto, quase todas as mais ousadas cenas filmadas por Hitchcock parecem hoje inocentes e inofensivas. Só em “Frenzy – Perigo na Noite” (1972), o panorama visual e narrativo é drasticamente diferente. Num esforço de acompanhar os cineastas do seu tempo, Hitchcock terá filmado “Frenzy” com uma inesperada e crua vontade de chocar.

Há aqui imagens de nudez e de brutalidade física e emocional. O filme apresenta uma concepção inteiramente perversa do sexo. O psicopata sente prazer em estrangular as mulheres que viola, ideia que por si só ilustra uma completa perversão do prazer sexual. (Atenção que ainda estávamos a 20 anos de distância do genial mas selvagem “Silêncio dos Inocentes” de Jonathan Demme.)

As mulheres em “Frenzy” são feias, desinteressantes. O corpo nu de uma das vítimas é juntado a uma enorme porção de batatas. Em todo o filme, há uma equiparação entre a função alimentar e a função sexual. Os vegetais e os frutos são filmados com o mesmo desprendimento emocional com que é filmado o corpo da pobre mulher. Tudo é demasiado perverso, violento e obsceno. Hitchcock aligeira o ambiente com alguns golpes de humor mais ou menos explícitos.

Viviam-se os anos de “Cães de Palha” (1971) de Sam Peckinpah; “Laranja Mecânica” (1971) de Stanley Kubrick; “O Padrinho” (1972) de Francis Ford Coppola; e “Deliverance” (1972) de John Boorman. Um ano depois viria “O Último Tango em Paris” (1973) de Bernardo Bertolucci. Em 1974, Tobe Hooper filmaria de uma forma densamente macabra a mesma história que inspirara “Psico”: em “Massacre no Texas”.

Hitchcock deve ter sentido receio de ser ultrapassado pela nova geração de cineastas. A sua popularidade estava em queda e ele conhecera alguns fracassos financeiros.
Terá arriscado filmar o sexo como nunca o havia feito.

Mas ele era bem melhor a mostrar a verdade escondida e a construir suposições e fantasmas difusos de todos os tipos. Por isso, “Frenzy” parece alho inusitado. E não é um filme tipicamente hitchcockiano embora lá estejam alguns temas recorrentes na sua obra.

Penso que uma obra cinematográfica moderna deve lidar com a temática da Sexualidade com desenvoltura e maturidade. Sente-se que na Hollywood dos anos 40 e 50 havia uma delimitação exagerada das fronteiras, um zelo moralista que quase nunca era eficaz. Por isso, algumas obras clássicas estarão hoje tão datadas.

Receio que de um tipo de excesso se tenha evoluído para outro tipo de excesso emergente nos anos 70. O Cinema moderno tem desenvolvido uma atenção desregrada aos pormenores de índole sexual. E nem sempre com fineza e sensatez. O Sexo tem sido explorado de mil e uma formas.

Encontramos hoje cenas eróticas em filmes onde têm razão de existir. Mas também em filmes onde não eram de todo precisas e são descabidas. É difícil estabelecer uma linha que demarque as fronteiras entre o bom e o mau senso. Será mesmo uma tarefa intrincada e subjectiva.

Todos concordarão que o filme “De Olhos Bem Fechados” (1999) de Kubrick é uma bela peça cinematográfica sobre o universo psicológico e onírico da natureza humana. Que em “Atracção Fatal” (1987) e em “Instinto Fatal” (1992) é recriado o universo mais feroz e perigoso das tentações carnais. Que em “Era Uma Vez na América” (1984) de Sergio Leone, ou em “Dogville” (2003) de Lars von Trier, a brutalidade física e sexual está realisticamente bem recriada a ponto de ser difícil de suportar.

Afinal estes são bons exemplos cinematográficos de como pode um cineasta manipular esta temática com resultados eficazes.

Presumo que se levássemos o jovem Hitchcock de 25 anos a ver “Mulholland Drive” (2003) de Lynch, ou qualquer coisa do género, tê-lo-íamos que trazer para fora da sala de cinema com um chapéu a tapar-lhe as faces coradas de vergonha.

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