sábado, junho 30, 2007

EU, CINÉFILO, ME CONFESSO


Deve correr muita cinefilia nas minhas veias. Cinefilia como motivo de diversão e de entretenimento, como ponto de partida para reflexões variadas e como mecanismo de comunicação com outras pessoas. Há certos momentos na vida em que me apercebo que pertenço verdadeiramente à família dos cinéfilos.

Hoje, de manhã, fui ao meu mensal corte de cabelo. No mesmo sítio de sempre. Usualmente, enquanto estou sentado diante do espelho, mergulho em múltiplas meditações. Mas, às vezes, sou interpelado pelas conversas dos outros.

Esta manhã, o meu barbeiro estava bastante calado – embora por norma nunca seja muito falador. É daqueles que trabalham bem e nunca falam demais. Quando dei por mim, estava a escutar a troca de palavras entre o barbeiro mais jovem e um amigo a quem fazia a barba. Eles falavam coloquialmente de filmes e eu senti-me familiarizado com a conversa deles.

É delicado manter a distância em relação ao que os outros dizem e poucas conversas alheias me motivariam a falar. Mas todo aquele palavreado em torno do Scorsese, dos filmes do Shyamalan, da Helen Mirren, da Sofia Coppola e do Clint Eastwood era demasiado próxima do ambiente em que habitualmente respiro.

Desejei intervir e participar naquele debate cinéfilo. Mas outras pessoas começaram a falar entre nós. E a oportunidade de partilhar a minha cinefilia ficou-se por ali mesmo.

O Cinema é realmente uma manifestação de arte. Mas também um ponto de comunicação. Quando pessoas estranhas começam a dialogar entusiasticamente entre si, há um elo de ligação entre elas. Algumas conversam de futebol, do último jogo do Sporting ou da eliminação do Belenenses da Taça de Portugal. Outras pessoas debatem as novelas, os arranjos amorosos entre os personagens e a identidade do pai da protagonista que só será revelada no último episódio.

Penso que, lendo regularmente artigos sobre filmes e consumindo diariamente uma obra cinematográfica (pela primeira ou pela décima vez), eu tinha de sentir identificação com a conversa daqueles dois amigos.

Daí que eu defenda obstinadamente que, de forma alguma, um filme acabe com a palavra FIM. Depois dessa palavra, ele poderá ser revisto e analisado. E poderá ser discutido no calor ameno de uma conversa entre pessoas que sabem partilhar a cinefilia entre si.

Acredito na vida para além da morte terrena. Mas não posso confessar que não tenha dúvidas acerca dela. Oxalá fosse tão crente na vida eterna dos seres humanos como sou sensível à eternidade dos filmes neste mundo. Pelo menos, no mundo dos séculos XX e XXI.

Já pensaram que daqui a mil anos, os filmes que vemos hoje podem vir a ser considerados formas arcaicas de arte? Talvez os cinéfilos do futuro possam olhar para os nossos filmes favoritos um pouco como nós olhamos para as pinturas rupestres das cavernas dos homens primitivos.
A ideia é estranha e um pouco inconcebível. Porque a Tecnologia e as formas de registo de informações desenvolvem-se vertiginosamente; e tudo indica que conseguiremos transmitir às gerações futuras a consciência daquilo que fazemos na nossa época. Mas mais do que isso: os nossos descendentes receberão muita da nossa arte em perfeitos estados de conservação.

Por muito que as civilizações evoluam, nada indica que se perca no tempo o sentido do nosso cinema. E portanto, Chaplin, Lang, Hitchcock e Scorsese bem poderão ficar imortalizados na História da Arte de tempos vindouros. Entretanto, terão contribuído para a diversão e para o prazer de múltiplas audiências. Como a daqueles amigos em prazenteiro diálogo numa barbearia.

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