domingo, julho 08, 2007

O QUE É UM FILME MAU? - PARTE I





Eis é uma questão delicada e complexa; e que está muito directamente relacionada com a acção dos críticos de cinema. Na verdade, enquanto fenómeno artístico, um filme não tem uma qualidade quantificável. O que implica defender que o valor de um filme não será linearmente expressável numa escala de graus. Envolve uma complexidade de pormenores e revela-se nas emoções que tem o poder de desencadear.

Confesso-me um pouco céptico quanto à atribuição de estrelas a cada filme como forma de quantificar o seu valor. A questão é tanto mais complexa quando, não raras vezes, pessoas de igual valor intelectual e semelhante cultura cinematográfica atribuem valores altamente contrastantes ao mesmo filme.

Segundo o meu parecer, o procedimento da avaliação numérica de um filme expressa directamente a percepção que o crítico tem dessa obra. Mas é muito complexo comparar um western de 1949 com uma comédia de 2005. Às tantas, acabamos comparando produtos cinematográficos completamente distintos.

Creio firmemente que a adesão emocional de um espectador a um filme depende dos seus gostos pessoais e das suas preferências de estilo. Mas também das expectativas que são criadas nele.

Consigo identificar um bom filme quando desencadeia efeitos bem sucedidos. Mas atenção: os objectivos traçados e os resultados obtidos podem ser diferentes. Se o objectivo do realizador é chocar e fazer estremecer as consciências e o seu filme nada mais faz do que pôr os espectadores às gargalhadas, então algo de central falhou rotundamente.

A qualidade de um filme está no produto final como um todo ou em partes distintas do seu conteúdo. Mas está também directamente relacionada com os objectivos que levaram à sua realização. O que será afinal um filme mau? Atrevo-me a estabelecer uma definição questionável: será o filme que não consegue concretizar as metas estabelecidas e do qual nada de relevantemente positivo se extrai.

A questão é complexa porque um filme mau pode divertir. Quando vi o filme “Vampiros” (1998) de John Carpenter, dei comigo a soltar gargalhadas mediante a idiotice de certas cenas. O mesmo me sucedeu com “Pesadelo em Elm Street” (1984) de Wes Craven ou com “It´s Alive” (1974) de Larry Cohen. Ri bastante com aqueles filmes que até são do âmbito do cinema de terror.

Não ri tanto com algumas comédias – filmes feitos para provocar o riso – como “Um Vagabundo na Alta-roda” (1986) de Paul Mazursky, “Loucuras de Uma Recruta” (1980) de Howard Zieff ou “Os Ricos e os Pobres” (1983) de John Landis. Esses filmes foram bem recebidos no seu tempo e fizeram rir muitas audiências, o que evidencia que o mesmo material não provoca gargalhadas idênticas em todas as pessoas. Conclusão lógica: se uma comédia de qualidade é aquela que faz rir, não podemos estabelecer valores universais para qualificar o humor.

Posso afirmar sem preconceitos: há filmes mal feitos que divertem. E afinal, se um filme cumpre eficazmente os seus efeitos recreativos, não tem já algum valor?

Desemboquei nestas considerações quando comecei a ponderar quais seriam os piores filmes de Hitchcock. Basicamente, para as audiências em geral, um filme mau é aquele que não diverte ou que não corresponde ao que era esperado. Um observador atento poderá, no entanto, constatar que um filme está bem feito (sob algum ponto de vista) ainda que não o divirta ou que não seja do seu gosto pessoal.

Pergunto-me eu com honestidade: não será que a grande maioria das pessoas é indiferente às perícias técnicas usadas em “A Corda” (1948) de Hitchcock? 60 Anos depois da sua estreia, muitos espectadores devem considerar o filme como uma obra aborrecida, monótona e teatral. E sabem porquê? Porque essa foi a minha opinião acerca do filme quando o vi há 22 anos atrás.

Em 1985, “Rope” estava incluído no catálogo da colecção “The Essential Hitchcock” e era apresentado como um dos melhores filmes do Mestre do Suspense. Daí que a minha decepção no dia em que o fui ver tenha sido enorme. Eu acabara, dias antes, de conhecer duas obras magistrais: “Janela Indiscreta” (1954) e “Vertigo” (1958). E não havia sido sensibilizado para os desafios técnicos impostos a um cineasta que se propõe realizar um filme de 80 minutos, filmando todas as cenas em tempo real, e filmando sempre do princípio ao fim, em sequência e sem paragens.

“A Corda” é aquilo que podemos chamar «uma experiência técnica feita em laboratório» e o seu interesse reside na forma original com que foi concebido e rodado. Foi o primeiro filme a cores realizado por Hitchcock e para a sua concretização foi construído um cenário especial em que as câmaras se moviam e os móveis eram retirados sem interrupção das filmagens. De algum modo, e por causa disso, muitos cinéfilos colocam “Rope” no patamar cimeiro das obras-primas de Hitchcock. Mas isso só contribui para a decepção de espectadores como eu.
O resultado final do trabalho de Hitchcock e de toda a sua equipa não é equiparável ao nível da sua ousadia técnica. Não me parece muito emocionante nem envolvente. Não em 1948. E, muito menos, hoje. O interesse de “Rope” é historicamente relevante mas só os aspectos técnicos do filme me fizeram discernir a sua importância e o seu valor.

Analisando a filmografia de Hitchcock, “Rope” é um filme bem amado pela crítica mas pouco popular entre o público. Contrariamente, há um filme que, por convenção muito generalizada, é considerado o filme mais infeliz e desinspirado do Mestre do Suspense. Trata-se de “Topázio” (1969). Só por esse motivo, entendo que é pertinente escrever um texto dedicado à análise exclusiva da ovelha negra das obras cinematográficas de Hitchcock.

De facto, “Topázio” é um filme ineficaz e pouco sólido. Quando nele se visou construir cenas de suspense, errou-se o alvo. Quando nele se tentou ser realista, o resultado ficou aquém de ser brilhante. Quando nele se procurou emocionar o espectador, só num ou dois momentos se conseguiu suscitar algum choque emocional. Quando nele se tentou semear divertimento típico de um enredo de espionagem eficaz, voltou-se a errar o alvo. “Topázio” é uma obra maçadora e bocejante. Foi um fracasso de bilheteira. E um insucesso junto da crítica.

“Topázio” é um filme mau porque não consegue atingir as metas propostas nem tão pouco alcança uma riqueza inadvertidamente conquistada. Quando o todo não é bom e nenhuma das suas partes distintas (os actores, o argumento, a música, etc.) satisfaz requisitos de qualidade, podemos equacionar a hipótese de estarmos perante um mau filme.
Poderão os meus leitores pensar que estou a apresentar uma série de evidências claras mas procuro simplesmente mostrar que a qualidade de um filme é um valor questionável e controverso.

Se considero “Topázio” um filme menor que não me diverte a não ser pela curiosidade de ter sido realizado por Alfred Hitchcock, poderão muitas pessoas no mundo considerá-lo uma obra com qualidade, valor e interesse. Porque não? Então voltamos ao mesmo aspecto evidente: a Arte não afecta igualmente todas as pessoas; reverte para as emoções, para os sentidos, para a personalidade e para a consciência de cada observador. (continua)

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