terça-feira, setembro 20, 2005

A MULHER HITCHCOCKIANA - PARTE III




“Mulheres e facas são coisas terríveis”. – Proferiu Hitchcock algures. Imaginem uma faca na mão de uma mulher: a imagem de Anny Ondra em “Chantagem” (1929) pronta para matar o homem que a tentou violar. Imaginem mil e uma mulheres distintas na filmografia de Hitchcock. Todas elas perigosas ou capazes de trazerem o perigo com elas.
Imaginem imensos planos com facas. A forma como Sylvia Sidney mata Oscar Homolka com um cutelo em “À 1 e 45” (1936); ou Grace Kelly mata com uma tesoura em “Chamada para a Morte” (1954); o assassinato de Lucy Mannheim com uma faca nas costas em “Os 39 Degraus” (1935); a morte de Gromek depois de ter sido golpeado no pescoço pela camponesa em “Cortina Rasgada” (1966); ou se quisermos, a tortura de Janet Leigh mediante a enorme faca de Mrs. Bates em “Psico” (1960).
Mulheres que matam com facas ou que morrem por meio delas. É o cinema de Hitchcock…


Na verdade, meus caros leitores, nem creio que Alfred Hitchcock ostentasse algum tipo de misoginia (exagerada) porque as personagens femininas dos seus filmes são quase sempre as mais interessantes. Sim. O glamour e o charme das actrizes interessa e talvez, nesse aspecto, Hitchcock tenha vindo a mudar de opinião. Ele terá pronunciado numa entrevista a Barbara J. Buchanan (publicada na revista Film Weekly de 20 de Setembro de 1935): “Aquelas mulheres lindas que só desfilam, evitando os móveis, usando négligés esvoaçantes e fazendo um ar muito sedutor podem ser um ornamento atraente mas não ajudam o filme em nada”. Mas estaria errado.

É verdade que, como também ele disse, algumas das maiores actrizes não são particularmente belas. Ele terá citado os exemplos de Mary Pickford, Lillian Gish ou Greta Garbo (que admirava muito). No entanto, mais tarde, terá tomado consciência da importância da imagem das suas heroínas. Por isso, nos anos 50 e 60, as vestia segundo preceitos caprichosos e as fazia desfilar diante das câmaras com esmerado requinte.

Também não será verdade, como ele declarou sem inibições durante a entrevista a Barbara Buchanan, que as mulheres representem pior do que os homens. Os papéis femininos tendem a manifestar uma postura mais emocional. As actrizes choram, gritam e tremem. Os homens escondem mais as suas emoções. Por isso, é difícil ser um bom actor.

Podemos rirmo-nos do sarcasmo de Hitchcock. Mas afinal, a mulher hitchcockiana é um dos elementos mais importantes da cinematografia do Mestre. Ela é apenas e tão só um dos grandes instrumentos de abertura para o suspense. É mais um mistério a descobrir, um enigma a decifrar – seja ela espia, adúltera, ladra ou tudo isso e mais ainda… Ninguém que detestasse as mulheres lhes poderia atribuir um papel tão influente e decisivo.



Apontamento complementar:

Aproveito este espaço para lembrar a memória desse realizador importante do cinema americano que se chamava Robert Wise. Faleceu na passada semana, com 91 anos de idade. Deixou-nos um legado de filmes históricos entre os quais "Música no Coração" (1965), "West Side Story" (1961), "O Dia em que a Terra Parou" (1951) e "A Casa Maldita" (1963).

Gostaria que o lembrássemos como o criador destas e de outras películas intemporais, construídas com elevado profissionalismo, discernimento e inteligência. Diz-se que não era um autor na medida em que não soube criar um estilo próprio, trabalhando em áreas diversificadas do Cinema e tratando cada género do seu modo específico. Neste sentido, foi um realizador radicalmente diferente de Alfred Hitchcock mas ninguém pode negar que o seu trabalho marcou gerações de cinéfilos e ficará para a História da Sétima Arte.

Era um grande director de actores. (Paul Newman, Susan Hayward, Julie Andrews e Steve MacQueen foram alguns dos que brilharam sob a sua direcção).
Era também um especialista na arte da montagem das imagens, tendo trabalhado com Orson Welles, no início da década de 40 e contribuido com o seu talento pessoal para o brilhantismo dessa pérola chamada "Citizen Kane - O Mundo a seus pés" (1941)
Bob Wise deixou este mundo mas nele ficou o seu trabalho especial. Aquele que deu origem a filmes em que se defende a Vida ("Quero Viver" (1959)), o Amor ("West Side Story"), a Concórdia ("O Dia em que a Terra Parou") e a Justiça Social ("Homens no Escuro" (1959)).

Este espaço é de Alfred Hitchcock mas também de tudo o que fala expressivamente da Vida e do Cinema. Por isso, Robert Wise cabe bem aqui. Não concordam?

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