domingo, julho 22, 2007

O PRIMEIRO (GRANDE) FILME DE HITCHCOCK - PARTE I




O ano de 1926 marcou o início da actividade plena de Alfred Hitchcock enquanto realizador de cinema. Antes de assumir a direcção de “O Jardim do Prazer” (1926), o jovem Hitch já se movimentava nos meios da indústria cinematográfica, desenhando entretítulos e trabalhando como assistente de realização ou argumentista.

Diz-se que o punho característico de Hitchcock já se encontra na escrita fílmica desse seu “The Pleasure Garden”. E inclusivamente nas temáticas nele desenvolvidas. O argumento do filme evidencia um jogo de ilusões e de traições amorosas que conduzem ao crime e à formação de um suspense com princípios bem definidos.

Enquanto história de amor, infidelidade, crime e morte, “The Pleasure Garden” bem pode ser já um «hitchcock movie». Mas não é uma obra brilhante.

Os historiadores de Cinema não costumam considerar o filme “The Mountain Eagle” (1926) do qual Hitchcock não gostava rigorosamente nada e do qual não se consegue encontrar uma única cópia completa – Hitchcock terá proferido algo do tipo «Ainda bem que o filme desapareceu porque não se perdeu nada de relevante

Logo, “O Inquilino Sinistro” (1926) bem pode ser definido como o primeiro grande filme de Hitchcock, aquele em que, com desenvoltura, engenho, criatividade e desejo de inovação, ele terá recriado o ambiente de um cenário terrífico onde macabros crimes se vêm a repetir.

Pegando numa história que bem poderia ser a de Jack, o Estripador, Hitchcock situa-nos numa Londres sombria e obscura. Recorre à composição de uma fotografia cheia de jogos de sombras e reflexos, fumos e nevoeiro. É sabido que ele admirava muito o poder visual do cinema expressionista alemão da época e que terá encontrado nele a inspiração adequada para compor as imagens de “O Inquilino Sinistro”.

Costumo identificar este “The Lodger” como sendo o primeiro marco importante da carreira de Hitchcock. Revejo-o numa cassete VHS da Lusomundo (sem qualquer tipo de som adicionado). E é um prazer revê-lo a horas tardias da noite quando todas as pessoas do meu mundo parecem estar a dormir e não há qualquer tipo de ruído em redor de mim. No sossego da noite, quando o poder de introspecção é maior. E os fantasmas parecem mais reais e impressivos.

Quando a Imagem é tudo, o Cinema tende a tornar-se particularmente expressivo. Na ausência do recurso ao som, desenvolvem-se outras aptidões e capacidades. Como o povo diz, «a necessidade aguça o engenho». O cinema puramente visual é inteligente e Hitchcock nunca deixou de conceber a linguagem cinematográfica senão como um encadeamento de imagens criteriosamente montadas. Nos seus filmes, muito regularmente, as imagens revelam mais do que as palavras proferidas.

Hitchcock era peremptório quando defendia que quanto menos entretítulos tivesse que usar, melhor estaria o filme. Idealmente, um filme mudo não precisaria de uma única legenda de apoio.

Quando hoje, em pleno século XXI, vemos filmes da época do Mudo, é coerente que nos pareçam estranhas certas opções técnicas de um cinema que não tendo som, precisava recrià-lo em termos visuais.

Há dois pormenores que usualmente causam desconforto nas audiências modernas: o excesso de expressões faciais e de linguagem corporal manifestadas no desempenho típico dos intérpretes; e a densa maquilhagem usada pelos actores (homens incluídos).

Na verdade, tanto um aspecto como o outro eram quase inevitáveis numa época em que cinematograficamente a imagem do actor precisava de ser vitalmente expressiva e em que o excesso de luzes de iluminação tornava os rostos dos actores muito brancos, quase fantasmagóricos.

Segundo Hitchcock, o cinema sonoro, generalizadamente difundido depois de 1929, permitia facilidades – demasiadas facilidades. O resultado é que pondo os actores a falar, a necessidade de engenho era menor. O diálogo passou a ter um papel preponderante e muitos filmes tendiam a ser concebidos como peças de teatro filmadas.

Desvalorizando o impacto e a importância dos aspectos visuais em favor de diálogos que explicavam tudo, no cinema sonoro tendia a perder-se qualquer coisa de fundamental. Como Hitchcock proferiu algures: «O Cinema morreu um pouco.»
Na verdade, Hitchcock nem sempre reagia de imediato aos progressos tecnológicos. Estava muito apegado às regras do cinema mudo. Tal como estava apegado à imagem a preto e branco. (Só em 1948, realizou o seu primeiro filme a cores) Mas, como grande cineasta que era, ele veio mais tarde a converter-se num verdadeiro perito na idealização e no manuseamento do material sonoro. E também num realizador sensível à composição das cores na fotografia de um filme. (continua)

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