sábado, julho 14, 2007

O QUE É UM FILME MAU? - CONCLUSÃO




Imaginemos um quadro com uma mancha de tinta vermelha no centro. Todos deverão constatar que se trata de uma tela branca marcada com uma mácula vermelha (a menos que algum dos observadores seja daltónico).

O quadro pode causar diferentes impactos em diferentes pessoas. Uma opinião só poderá ter um valor acrescido se fizer uma avaliação fundamentada da obra, inserindo-a no contexto em que foi criada; referenciando quem a produziu, em que local e em que data; com que objectivos e mediante que mentalidade foi concebida e ganhou existência física.

Interessa entender cada obra de arte no contexto em que foi criada. Ainda assim, é incontornável que, sem rodeios, um mesmo quadro desperte diferentes reacções. Mesmo se se tratar de uma tela branca assinalada com uma mancha vermelha.

Se eu considerar o patamar dos filmes menos interessantes de Hitchcock, estarei a escrever como o advogado do Diabo e numa posição desconfortável.
Considero “Pavor nos Bastidores” (1950) um filme pouco convincente e onde o suspense não é desenvolvido de modo inspirado e cativante. Não aprecio a presença de Marlene Dietrich e constato que Jane Wyman não se empenhou no seu papel de rapariga modesta e pouco vistosa.

“O Caso Paradine” (1947) tem um elenco interessante e cenas visualmente cuidadas – o trabalho de câmara é pontualmente importante. Mas é um filme que revela não ter tanto conteúdo emocional e cinematográfico como promete até certa fase da narrativa.

De resto, vivi duas decepções pessoais com “Os Quatro Espiões” (1936) e “Jovem e Inocente” (1937) porque me parecem obras demasiado rudimentares, sem nenhuma centelha de brilhantismo.

O mesmo não se pode aplicar a “Sob o Signo de Capricórnio” (1949) que é um belo filme dramático passado na Austrália do século XIX – filme nada típico de Hitchcock mas que é filmado com alguma desenvoltura técnica e abrilhantado pela presença magnética de Ingrid Bergman. Diversos aspectos da sua intriga talvez tragam à memória o enredo de “Rebecca” (1940) mas se procurarmos suspense e situações de crime em “Under Capricorn”, não os encontraremos aqui do modo mais comum. Nesse aspecto, o filme pode desiludir o hitchcockiano médio.

O conteúdo melodramático e romanesco do cinema de Hitchcock também está presente no seu “Pousada da Jamaica” (1939). A acção desta obra decorre no final do século XVIII na costa da Cornualha. Filme com personagens misteriosos num ambiente agreste, “Jamaica Inn” foi a primeira adaptação de Hitchcock feita a partir de um livro de Daphne Du Maurier. Mas é uma película aborrecida.

Acredito que o sucesso de um filme decorre da forma como é publicitado. Se as audiências se deslocam a uma sala de cinema e não encontram o que procuram, poderão muito provavelmente sentir-se defraudadas.

De resto, há obras que no seu tempo são aclamadas e depois são esquecidas e menosprezadas. E há aquelas (como “Vertigo” (1958), por exemplo) que só com o tempo recebem o estatuto de criações de grande interesse cinematográfico.

Quem pode verdadeiramente ditar o que é um filme mau ou definir critérios estabelecidos de qualidade? Talvez ninguém. O crítico de cinema pode oferecer a sua perspectiva sobre os filmes. Mas, mais importante do que isso, é a sua missão de informar o público acerca das circunstâncias de produção de cada filme, acerca dos propósitos do cineasta e do produtor e no que respeita a pormenores e factos que podem fugir à percepção do espectador comum.

«Filme Mau?» Não costumo usar essa expressão. Posso defender que não gosto deste filme ou daquele porque não me divertem nem me emocionam nem me sensibilizam. Ou porque estão conotados com o «meu» sentido de «mau gosto». Mas é ajuizado considerar que os piores filmes que concebemos podem apresentar riquezas que nos passam despercebidas ou que não compreendemos no seu verdadeiro sentido.

O estranho encanto (por muitos encontrado) de “A Lojinha dos Horrores” (1960) de Roger Corman pode estar no facto de ter sido incrivelmente mal feito. E já repararam os meus leitores que os filmes de Ed Wood – considerado em tempos o pior cineasta de todos os tempos – estão a receber uma reavaliação?

Foi feita uma remake de “Little Shop of Horrors” em 1986. E Tim Burton criou um filme muito interessante sobre a figura de Ed Wood e sobre as suas obras aberrantes. Até o «mau cinema» é inspirador. E cria impacto.

«Filme Mau»? Não gosto da expressão. Por muito que o cinema possa funcionar como uma indústria, é talvez acima de tudo uma manifestação de arte. E a arte não funciona segundo leis científicas rigidamente estabelecidas.

Os piores filmes de Hitchcock? Não sei bem quais serão. Apenas pude fazer menção àqueles que mais me desiludiram. Mas eu sou apenas um hitchcockiano. Apenas um. Como tantos outros. Porque motivo o meu conceito próprio de «desilusão» servirá mais do que o de outras pessoas?

Apetece-me escrever: “O prémio para o pior filme realizado por Alfred Hitchcock vai para: Sabe Deus…” Mas será que Deus é mais hitchcockiano do que eu?

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